O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é um sujeito esperto. Político do DEM do Amapá, deu uma rasteira em raposas como Renan Calheiros (MDB-AL), Jader Barbalho (MDB-PA) e Eduardo Braga (MDB-AM) e chegou ao comando da Casa, no início da legislatura, a bordo de um discurso de renovação da política. Uma zebra. Na ocasião, peitou a “velha política” e ganhou os votos da bancada de senadores novatos que se elegeram no rastro da Lava Jato e de promessas de combate à corrupção. Um ano e meio depois, Davi avança célere no caminho da reeleição – curiosamente, com o apoio daqueles que derrotou em fevereiro de 2019 e contra a vontade de muitos que o elegeram. O fato de essa recondução ser proibida pela Constituição é um detalhe que pretende contornar com uma ação no STF.
Afinal, em sua escalada, ele já contornou muita coisa. A última, esta semana, foi a votação do veto presidencial à desoneração da folha de 17 setores, que conseguiu adiar mais uma vez, evitando uma derrota certa do Planalto. Façanha aparentemente menor, mas que vale bilhões, do tipo que Davi Alcolumbre ofertou dezenas de vezes a Jair Bolsonaro nesses tempos difíceis. Aproveitando o vácuo de seu companheiro da Câmara, Rodrigo Maia, que andou às turras com o governo, o senador não perdeu tempo: aproximou-se do presidente e de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, e matou no peito iniciativas que não interessavam a eles.
A representação que corre na Comissão de Ética da Casa para punir Flavio por causa do Caso Queiroz, por exemplo, não corre o risco de ir para frente – por obra e graça de Davi. Nesses tempos de pandemia, o presidente do Senado encontrou também uma boa desculpa para não permitir que comissões indesejadas não se reúnam nem votem nada. É o caso, por exemplo, da CPMI das Fake News, que tem entre os alvos filhos, funcionários e aliados do presidente. A CPMI nunca mais se reuniu presencialmente – nem mesmo quando as denúncias e escândalos se multiplicaram a partir das investigações que correm no inquérito do STF.
Ao se tornar o mais governista dos governistas, além de deixar perplexos seus ex-apoiadores, o presidente do Senado foi ficando muito poderoso. A esta altura, já se cacifou politicamente para a reeleição com o apoio de Bolsonaro – já declarado publicamente por Flávio – e conquistou ex-adversários, como o próprio Calheiros, com quem tem hoje ótima relação. A retaguarda do Planalto ajuda a cabalar votos, e talvez explique a metamorfose no eleitorado de Davi, que conseguiu o posto de maior padrinho de indicações no governo Bolsonaro, sobretudo no setor elétrico e em órgãos de desenvolvimento regionais. Nomeou muita gente e, generosamente, vem dividindo as indicações com companheiros senadores. Tornou-se um interlocutor deles junto ao governo, a quem leva seus pleitos. Também tem sido o Rei Midas das liberações de emendas e recursos extraordinários no Senado, centralizando sua distribuição. Diz aos articuladores governistas quem deve receber e quem não deve.
No início da pandemia, Davi pegou Covid-19 e chegou a baixar hospital. Mas, se fizer um balanço do período, pode ficar no lucro. Nunca gostou de reuniões de líderes ou aglomerações nas quais colegas de oposição, ou da ala renovadora do Muda Senado, contestassem ou questionassem suas decisões. Agora, eliminou-as de vez, assim como as sessões presenciais da Casa, que passaram a ser remotas por causa do vírus. Situação que vem a calhar para quem está articulando a reeleição e não quer adversários se movimentando em torno de candidaturas alternativas – um tipo de articulação que não pode ser virtual.
A última de Davi, transitando entre o papel de Midas e o de Luiz XIV, foi prorrogar o modo remoto e domesticado do Senado até a eleição da Mesa, em fevereiro – que, se perigar, vai ser por computador. Nesta terça, o primeiro secretário, senador Sérgio Petecão, baixou ato prorrogando por seis meses a vigência das normas que implantaram as votações remotas por causa da pandemia. E cada grão de poeira no canto do tapete azul continuará onde Davi o colocar — pois não há dúvidas de que hoje o Senado é ele.
Helena Chagas é jornalista