A arquitetura dos Poderes no Brasil apresenta fissuras, comprometendo os princípios de autonomia, harmonia e independência definidos pela Constituição. Ora o Poder Executivo invade a seara do Legislativo com Medidas Provisórias sem caráter de urgência, conforme se exige; ora o Poder Legislativo deixa imenso vácuo ao não aprovar a legislação infraconstitucional prevista pela CF de 88.
Nesse vácuo, entra o Poder Judiciário, ao qual são submetidas questões não resolvidas por lei. E uma onda crítica passa a envolver a Suprema Corte, acusada de invadir a roça do Poder Legislativo, dando vazão ao conceito de judiocracia, democracia plasmada sob o jugo dos aplicadores da lei. Fosse só isso, os danos na imagem do Judiciário não seriam tão graves.
Mas a artilharia pesada contra o STF deve-se, sobretudo, à suspeição sobre o comportamento de alguns componentes, identificados como soldados partidários ou simpatizantes de figuras que os escolheram quando governavam o país. Em certos Estados, membros de instâncias judiciais são suspeitos de favorecimentos.
Nunca se viu o Judiciário tão criticado. Trata-se, afinal, do Poder mais identificado com a virtude da moral, da verdade e da justiça. As acusações maculam sua imagem. Compreende-se que parcela da indignação acumulada nesses tempos de polarização política se dirige ao Judiciário. Mas o fato é que a imagem de uma Justiça apequenada fere a alma nacional.
Por isso, é oportuno rever os critérios de nomeação de ministros do Supremo e dos Tribunais de Justiça. O STF não tem juiz de carreira, seus membros são escolhidos pelo presidente da República e acabam jogados na vala do viés partidário, apesar de seus méritos.
Projetos sobre a matéria dormem nas gavetas do Congresso, entre eles o que sugere a nomeação por instituições como o próprio Poder Judiciário, o Congresso, a OAB, o MP e o Presidente da República. Seria uma escolha por entidades sérias e Poderes constituídos, o que daria ao processo um caráter plural, legitimidade e respeito da sociedade.
Tal visão valorizaria nossa democracia participativa e serviria também aos Estados. Nenhuma autoridade pode se escudar no manto sagrado do cargo. O Judiciário é o mais respeitado dos Poderes pela identidade de seus integrantes e nobreza de suas funções.
Triste constatar que a figura do juiz em nosso País perdeu aquela aura sagrada da reverência, quando assumia traços nobres, como os descritos por Bacon: “os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”.
Eles ainda enfrentam um calvário particular, a via crucis da crise provocada pelo caráter dual do Estado brasileiro. De um lado, o Estado liberal, fincado na base do equilíbrio entre os Poderes, no império do Direito e das garantias individuais. De outro, o Estado assistencial, voltado para a expansão dos direitos sociais, revigorados pela Constituição. São enxurradas de demandas crescentes e repetitivas.
Chegou a hora da verdade. O juiz, por excelência, deve ser o protótipo das virtudes.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político