Ensinou o ex-presidente José Sarney quando há muitos anos lhe perguntei a respeito: “O primeiro compromisso de quem assume a presidência da República no Brasil é o de assegurar condições para completar seu mandato”. Cito a resposta de memória.
Leitor voraz de livros de história, com uma longa carreira como político, Sarney sabia que não seria fácil completar o mandato que herdara de Tancredo Neves, o presidente eleito em 1985 que morreu sem tomar posse depois de ser operado sete vezes.
Assistira de longe a ascensão de Getúlio Vargas em 1930, sua queda em 1945, a volta em 1950 e o suicídio em 1954; de perto, as rebeliões militares que ameaçaram o governo de Juscelino; a renúncia de Jânio em 1961; e a deposição de Goulart em 1964.
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Clique e AssineEra para Sarney ter governado por seis anos. A Constituinte de 1988 subtraiu-lhe um ano de mandato. Governaria só por quatro, não fosse o apoio que recebeu dos militares para que governasse cinco anos. Foi sucedido por Fernando Collor, deposto em 1992.
Aos 90 anos de idade, lúcido e em boa forma, acompanha a agonia do presidente Jair Bolsonaro que, a essa altura, se dará por feliz se conseguir governar pelo menos até 2022. Sarney, mas não só ele, acha que Bolsonaro já deu adeus ao sonho de se reeleger.
Bolsonaro começou a cair depois da reunião ministerial de 22 de abril quando anunciou sua decisão de intervir na Polícia Federal e perdeu a companhia do ministro Sérgio Moro, da Justiça. Generais que o cercam avisaram: mantenha Moro no governo.
Como antes o preveniram: em meio a uma pandemia que você faz questão de chamar de gripezinha, não é hora de demitir o ministro da Saúde. Deixe a pandemia passar para substitui-lo mais tarde. Bolsonaro demitiu Mandetta e provocou a saída do seu sucessor.
A fatídica reunião ministerial custou também a cabeça do ministro da Educação pelo o que ele disse sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal, e acelerou o processo de enfraquecimento dos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores.
Mas a maior vítima da reunião foi o próprio Bolsonaro, exposto ao país em vídeo tal como é na intimidade. De lá para cá, ele desce a escada saltando, às vezes, mais de um degrau. Se antes emparedava os demais poderes, o emparedado, agora, é ele.
A prisão de Fabrício Queiroz, cujo paradeiro Bolsonaro conhecia, arrombou a porta para uma denúncia futura do Ministério Público sobre a cumplicidade da família presidencial com milicianos e o crime organizado no Rio. Haverá cenário pior para Bolsonaro?
Antes da metade do seu mandato, ele virou refém de um fugitivo encontrado, da família do fugitivo, de ex-funcionários do filho Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, da memória do celular do ex-ministro Gustavo Bebbiano e de um advogado pilhado.
É refém dos inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal sobre a máquina bolsonarista de produção de notícias falsas e o financiamento de manifestações de rua contra a democracia. Sem dispor de um partido para defendê-lo, é refém do Centrão.
Governar jamais foi seu forte. Imaginar que, de repente, será capaz de liderar o país nos meses que faltam para que a pandemia se esgote e a recessão econômica se agrave, é tão provável como ganhar sozinho o maior prêmio da Mega-Sena duas vezes seguidas.
O vice-presidente Hamilton Mourão não parecerá precipitado se começar a tirar desde já as medidas para o terno de posse. Tampouco desleal, longe disso. Vice não é nada até que passa a ser tudo. Está na Constituição que ele jurou respeitar.