Este ano não haverá entrega do Nobel de Literatura. Motivo: a Academia Sueca (fundação, 1786) foi chamuscada pelas labaredas do escândalo sexual, protagonizado pelo artista Jean-Claude Arnault, marido de Katarina Frostenson, escritora ocupante da cadeira 18 da Academia desde 1992.
Segundo o jornal “Dagens Nyheter”, em novembro do ano passado, quase duas dezenas de mulheres acusavam Jean-Claude de assédio e violência sexual entre 1997 e 2007. Detalhe sórdido: a maioria dos fatos teria ocorrido nas dependências da Academia e em luxuosos apartamentos que a instituição mantém em Estocolmo e Paris.
Fiquei chocado. Logo a Suécia, país reconhecido universalmente pelo alto padrão de desenvolvimento, socialmente igualitário e cujo governo põe em prática políticas em defesa dos direitos das mulheres!? Em decorrência das renúncias, a composição da Academia, formada por 18 cadeiras, ficou reduzida a dez membros, dois a menos do quórum mínimo exigido para deliberar sobre o prêmio.
Dois pensamentos contraditórios me vieram à cabeça: o primeiro define o mundo contemporâneo como a “era dos escândalos” nas suas múltiplas vertentes – sexual, financeira e política – e variadas combinações a exemplo da pedofilia na Igreja Católica, da corrupção global financiada pelo capitalismo de laços e do bunga bunga, celebração orgiástica do escândalo como fenômeno social, criada e regida pela personificação da sacanagem, o ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi; o segundo que reconhece na imperfeição humana a permanente possibilidade do escândalo, ou seja, sem aquela idealização do passado de “no meu tempo…” e sem a hipocrisia do discurso moralizante, dando lugar à crueza Nelsonrodriguiana de encarar “a vida como ela é”.
A humanidade é escandalosa. A arte da sedução levou os homens mais poderosos da Terra – os imperadores romanos César e Marco Antônio – aos pés de Cleópatra. O noticiário histórico revela: o escândalo perpassa o tempo e o espaço. Então, qual a singularidade do nosso tempo? A mudança do conceito de tempo e espaço em razão da revolução tecnológica: o aqui e o agora fundiram-se, associando ubiquidade e instantaneidade dos fatos.
Por sua vez, a fluidez das estruturas tradicionais reforça a sensação paradoxal de empoderamento e vulnerabilidade das pessoas, impulsionada por uma cultura narcísica, invasiva e, eticamente, frágil. Diluem-se as fronteiras entre o falso e o verdadeiro; o público e o privado. Neste exato momento, o calendário político convoca o eleitor brasileiro para fazer escolhas responsáveis e estratégicas em relação a um destino comum. Sorte lançada!
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco