O título acima é de um filme notável que no Brasil se chama “A noite dos desesperados”. Assisti ainda muito jovem, aos 17 anos, no cine Coliseu, no Recife. Quando terminou não consegui levantar da cadeira, tremia e chorava de indignação.
O filme trata de um concurso de dança onde miseráveis bailam num enorme salão, uma dança interminável que só chegaria ao fim quando restasse vivo um único casal. Lembrei-me dele quando, ontem, soube que crianças órfãs desfilaram na passarela de um shopping em Cuiabá na esperança de serem reconhecidas e conquistarem um lar adotivo.
Senti a mesma indignação. Crianças não podem servir a uma falsa solidariedade. As que ali desfilaram estavam bem vestidas, algumas até maquiadas. Era “um dia de princesa”, como venderam os organizadores do evento.
Criança, ainda mais órfã, dispensa dia de princesa. Sonha, sim, com vida digna, com uma infância inteira de proteção, afeto e segurança. Onde estamos? Quem somos? Como banalizamos tamanha crueldade?
(Rebeca Scatrut é jornalista, mãe e avó de seis netos)