Cartas de Nova York: O Brasil que Tarsila pintou
Talvez tenhamos perdido a capacidade de engolir tanta coisa e ainda regurgitar algo bonito
Fevereiro em Nova York não é um mês bom para brasileiros expatriados. O frio está aqui, instalado, há muito tempo e as fotos das praias e do nosso verão, do Carnaval, dos blocos e dos amigos são uma injustiça com o brasileiro que tem que sair de casaco de neve todos os dias há pelo menos cinco meses. Os dias sem sol estão ficando um pouco mais longos, mas o cinza da cidade essa época do ano fica mais triste, os olhos pedem mais cor. Quando o inverno vai acabar? No Brasil quase não tem inverno…
Mas este ano, com o aumento da violência no país, uma intervenção militar na nossa cidade mais famosa aqui fora e eleições imprevisíveis, fica ainda mais difícil entender tudo que se passa de longe, e muito mais complicado explicar qualquer coisa para os estrangeiros curiosos por aqui. O que está acontecendo no Rio de Janeiro com os militares por lá? O Lula ainda pode ser presidente? Quem era o vampiro no Carnaval e como podem existir tantos blocos?
Porque o Brasil é assim, tão contraditório e tão lindo ao mesmo tempo, muita gente faz perguntas como esta para quem mora por aqui. Mas agora, sem pensar no que dizer, eu falo para os americanos e nova-iorquinos irem ao Museu de Arte Moderna conhecer a Tarsila.
E ver o tamanho do pé da Abapuru, as faces dos Operários, a cópia da Torre Eiffel em Madureira que ela pintou. A exposição no MOMA começa com uma foto da pintora, o título da exposição “Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil” e uma frase: “I want to be the painter of my country” (“Eu quero ser a pintora do meu país”). E depois de entrar na primeira sala e ser rodeada com as ruas, os bichos, as plantas, as formas das pessoas e as cores do Brasil da Tarsila, eu lembrei que não precisamos explicar tanto. Apesar de tantas incertezas e um bocado de terror no Brasil em 2018, as cores permanecem ali.
Talvez o Brasil da Tarsila não exista mais. Talvez tenhamos perdido a capacidade de engolir tanta coisa e ainda regurgitar algo bonito, interessante e complexo como os modernistas achavam. Pode ser que essa impunidade tamanha que vivemos nos últimos anos esteja sufocando nossa capacidade antropofágica, nosso poder de se reinventar.
Mas quem sabe o brilho nos olhos dos nova-iorquinos ao ver Tarsila mostre que um Brasil que janta o que é diferente e faz de tudo o que come brasileiro ainda é possível? O entusiasmo nova-iorquino e o orgulho expatriado tão reconfortado no meio das cores em pleno inverno me fizeram acreditar mais um pouquinho.
Luisa Leme é jornalista e produtora de documentários. Passou pela TV Cultura e TV Globo, e pela ONU em Nova York. Depois de dez anos nos Estados Unidos, volta agora para no Rio de Janeiro por seis meses. Escreve aqui às quintas-feiras. No Twitter: @luisaleme