Assine VEJA por R$2,00/semana
Noblat Por Coluna O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Bem-aventurados são os avós (para celebrar a vida)

Lembranças de um ano de crise e de felicidade

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 19h03 - Publicado em 30 mar 2020, 12h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Foi em janeiro de 2008 que ganhei o primeiro dos meus seis netos – Luana, filha de Sofia que é minha filha, e de Vitor. O ano transcorreu tão feliz para minha família que nem me dei conta de que ele desencadeara a maior crise do capitalismo do planeta desde 1929.

    Publicidade

    Quero celebrar a vida, não a morte, no ano em que o mundo atravessa mais uma crise que irá marcá-lo para sempre. Por isso republicarei a partir de hoje alguns dos 47 capítulos do que batizei à época como “Diário de Avô”. Espero que goste.

    Publicidade

    – + – + -+-

    21.12.2007

    Publicidade

    Procura-se uma mala para Luana

     

    Publicidade

    Almoçava, ontem à tarde, no Jobi, boteco do Leblon, no Rio, quando tocou meu celular. Do outro lado da linha ouvi a ordem a ser obedecida sem discussão, tal a natureza irreversível do fato que lhe dera origem:

    Continua após a publicidade

    – Pegue o primeiro avião. Luana pode nascer a qualquer momento.

    Publicidade

    Era Rebeca, minha mulher. Vivo com ela há 30 anos. E sei de sua propensão a considerar definitivo o que muitas vezes não é.

    Luana ainda está na barriga de Sofia. Somente daqui a 10 dias completará 36 semanas de vida.

    Publicidade

    A médica que cuida de Sofia calcula que Luana deverá nascer em meados de janeiro. Por cautela, e como ela está praticamente pronta para nascer, a médica deu a Sofia por escrito a ordem de internação a ser usada no momento devido.

    Doravante, Sofia carregará a ordem para qualquer lugar que for. Apesar do peso e do volume da barriga, ela não para em casa como a mãe deseja.

    Continua após a publicidade

    – Este será o fim de semana da mala – avisou Rebeca. Não assuma nenhum compromisso.

    Quem vive em Brasília teme ser grampeado. Ou melhor: tem certeza que é grampeado.

    Não temo o que digo ao telefone. Temo uma eventual tradução perniciosa do que digo.

    Daí a minha reação a certas palavras que, hoje, fazem parte do vocabulário capaz de despertar a atenção de arapongas excessivamente desconfiados.

    – Mala, que mala? Por favor, esclareça o que você quer dizer – pedi.

    Continua após a publicidade

    – A mala de Luana…

    – Como assim?

    – A mala com as coisas de Luana que Sofia levará para a maternidade…

    – O que é que tem?

    – É preciso comprar a mala. Fui a todos os shoppings de Brasília e não encontrei nenhuma que me agradasse.

    Continua após a publicidade

    – Mas o que tem de especial a mala que você procura?

    – Você não entende disso. Ela tem de ser pequena, mas não tão pequena. E deve servir para quando Luana viajar.

    – Viajar para onde? Luana ainda nem nasceu e já vai viajar? Ninguém me consultou a respeito. O pai dela sabe disso?

    – Viajar quando ela crescer…

    – Você cogitou da hipótese de deixar a cargo de Sofia a escolha do modelo da mala que servirá a Luana? – provoquei.

    Continua após a publicidade

    – Sofia ainda é pouco experiente para escolher essas coisas. Não esqueça que já criei três filhos. Sei do que falo.

    Pensei em argumentar que experiência não é tudo na vida. E, a propósito, relembrar o que aconteceu outro dia. Ela levou Sofia às compras em um shopping do centro de Brasília. Esqueceu que era o Dia do Evangélico, feriado local. E que o comércio estava fechado.

    Rebeca divisou um vulto de mulher dentro de uma loja de roupas de bebês. Era a dona ou gerente ocupada em pôr as mercadorias em ordem.

    Seguiu-se um diálogo só decifrado por meio de linguagem labial.

    – Quero comprar – disse Rebeca sem emitir um único som com o rosto colado na porta de vidro da loja.

    – Está fechado. Fe-cha-do.

    – Eu sei, eu-sei. Quero comprar…

    – Está fe-cha-do. É fe-ri-a-do – respondeu a mulher colando o rosto do outro lado da porta.

    – Abra, por-favor. É para-minha-primeira-neta. Ne-ta!

    A mulher cedeu.

    Homens entram em lojas sabendo o que querem. Mulheres, não. Mas talvez mulheres-avós sejam uma exceção.

    – Tem macacão Tip Top?

    – Tem o quê, madame?

    – Não sou madame. Estou perguntando se tem macacão Tip Top…

    – Macacão o quê?

    – Tip Top é uma marca de macacão. É de algodão, resistente e bastante confortável…

    – Não conheço…

    – Como não conhece??? Como não conhece??? A senhora tem uma loja de roupas de bebê e não conhece o macacão Tip Top?

    – Mãe, eu também não conheço – intrometeu-se Sofia.

    – Mas você e seus irmãos quando bebês só usavam macacão Tip Top…

    – Mãe, isso foi há 28 anos no caso de André, 26 no caso de Guga e 23 no meu. Vai ver que essa marca não existe mais…

    Rebeca descobriu que a marca existe. E que unidades do macacão ainda são vendidas no comércio popular de Brasília. Haverá lugar para alguns deles na mala de Luana.

    Quanto à mala propriamente dita, até ontem à noite ainda não fora encontrada.

    Imaginei oferecer a mala Hello Kitty cor-de-rosa que uma vez me acompanhou ao carnaval do Recife. Fez um tremendo sucesso quando emergiu imponente e escandalosa na esteira de bagagens do aeroporto. Ao sacá-la, fui ovacionado por passageiros do meu voo.

    A Hello Kitty jaz aposentada debaixo da minha cama. Incomodou-me a fama precocemente adquirida por ela. De resto, é enorme.

    Procura-se com urgência uma mala onde caibam os pertences de Luana e os sonhos de Rebeca. Rápido, antes que Luana resolva nascer.

    Bem-aventurados são os avós.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.