Está na capa d´O Globo do último sábado (10/3): duas mulheres e um rapaz oram diante de seu local de trabalho, um quiosque na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio. A lojinha viria, minutos depois, a ser destruída pelas máquinas da Secretaria de Ordem Urbana da Prefeitura. A manchete faz referência ao Dia da Mulher, quando soldados do Exército que ocupam o bairro popular distribuíram rosas para as moradoras: “Depois das flores, o pé na porta”.
“Chegaram aqui avisando que vão derrubar tudo. O que vamos fazer agora? Era o nosso único ganha-pão. Tenho um filho de quatro anos, um outro vem aí. O quiosque era nossa única fonte de renda. Vendíamos café da manhã, nossos lanches são famosos aqui na comunidade. Somos evangélicos, fizemos uma oração pedindo a Deus uma direção. Tudo o que quero é levar uma vida digna, trabalhando” – disse Leonardo Damasceno, ao lado da mulher, Luciana, que chorava.
O mesmo aconteceu com outros 30 quiosques, alguns ali estabelecidos há anos. Entre os contendores, a mesma reação: pranto sentido por parte dos pequenos comerciantes; frieza, arrogância e violência no lado das “autoridades”.
As forças militares que fazem uma operação “gato e rato” na Vila Kennedy, tirando barreiras que os traficantes mandam recolocar quando elas saem, deviam ter sido chamadas para impedir tamanho absurdo. Mas ou ficaram alheias à violência oficial dos agentes da Prefeitura ou deram cobertura a essa destruição.
A ação municipal, pegando carona na ocupação militar (é essa a “integração”?), foi tão estúpida que o próprio prefeito Crivella, omisso por natureza, providenciou para que o(a)s trabalhadore(a)s voltassem à atividade: abriu um programa de microcrédito para os comerciantes tomarem empréstimos de R$ 12 a 15 mil a fim de reconstruir o que o seu governo destruiu. Leonardo e vários outros voltam a trabalhar, mas saem no prejuízo. E ninguém é responsabilizado. Afinal, a dor do pobre, quando repercute, logo é esquecida.
A intervenção no Rio completa um mês esta semana. Seria muito importante ter um relatório circunstanciado do que foi feito. A cidadania continua sem saber qual é seu planejamento estratégico, quando começa a reestruturação das polícias, qual a efetividade da recaptura de armas e munições. Neste fim de semana, cinco pessoas foram mortas à bala só na região metropolitana do Rio, sendo quatro mulheres – uma delas mãe de uma menininha de três anos. A tragédia da violência continua.
Vidas humanas seguem em jogo. De seu anúncio surpreendente à sua ação até aqui, essa intervenção parece estar marcada por um viés de exibição marqueteira, e não para reduzir a aflição uma população inteira. É uma rima, mas não é uma solução.
*Chico Alencar é professor, escritor e deputado federal (PSOL/RJ)