Os acontecimentos imediatamente anteriores e posteriores ao 8 de Janeiro fizeram desaparecer as reflexões sobre os acontecimentos de 7 de Setembro de 2021. Foram mais de 160 cidades com manifestações, na sua imensa maioria, a favor das narrativas do governo. Diferente do 8 de Janeiro, quando o governo anterior já estava fora do poder, no 7 de Setembro a máquina estava na mão de Bolsonaro. O que tornava as manifestações potencialmente perigosas.
Preocupado com a situação, procurei minhas fontes no Legislativo, Executivo e Judiciário. Conversei com pessoas que estavam nas cercanias do poder e sabiam dos rumores e das intenções. E, também, conversei com quem poderia resistir e impedir o desvario. Nos bastidores do Planalto existiam algumas certezas. A primeira era a de que Bolsonaro tentaria desestabilizar o STF a partir da narrativa de que estava sendo perseguido. Em especial, por Alexandre de Moraes.
Os mais sensatos também tinham certeza de que as Forças Armadas não apoiariam uma ruptura, já que não havia coesão suficiente nem justificativa para bancar um golpe. Além do fato de que pessoas do alto escalão do Exército sabiam que seria uma loucura fadada ao insucesso. Mas me preocupava a sensação de que a chegada de manifestantes à Brasília poderia estar sendo facilitada. A desordem poderia ser a justificativa para se tomar medidas duras. Por outro lado, recolhia informações de que os chefes dos poderes estavam se preparando para a possibilidade de ocorrerem tumultos.
“No fim das contas, Bolsonaro poderia ter caído por sua verborragia agressiva e sua narrativa golpista”
Na noite da véspera, a situação se tornou crítica. Com a complacência das autoridades, manifestantes foram superando as barreiras postas na Esplanada e se aproximando do STF e do Congresso. No entanto, o risco de invasão do Supremo tinha resultado em preparativos que poderiam gerar confronto e, até mesmo, feridos. Luiz Fux não admitiria a possibilidade de invasão sem uma dura resistência. Governadores foram contatados para conter os ânimos de setores mais radicais das PMs. O recado de que haveria resistência foi dado e desanimou os mais exaltados.
Mas Bolsonaro queria testar os limites da nossa República. Seu discurso para simpatizantes na Esplanada em Brasília, no 7 de Setembro, foi agressivo, mas não propunha uma ruptura. Já em São Paulo, no mesmo dia, ele chamou Alexandre de Moraes de canalha e disse que não cumpriria ordens do ministro. A agressividade do discurso para uma multidão era um convite à completa desestabilização das relações entre poderes. Tal fato poderia ser o gatilho para que o STF fosse desmoralizado e seus ministros fisicamente constrangidos.
No entanto, a reação no mesmo dia e nos dias subsequentes afastou a possibilidade tanto da ocorrência de um golpe quanto do impeachment de Bolsonaro, que se salvou por ter recuado. Pessoas sensatas do governo conversaram com Bolsonaro e com os presidentes do Legislativo e do Judiciário. Uma “recueta” na forma de carta foi negociada, tendo a assessoria ilustrada de Michel Temer. No fim das contas, quem poderia ter caído era Bolsonaro, por sua verborragia agressiva e sua narrativa golpista — e não a República, que estava solidamente plantada em suas instituições.
Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857