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Vitimologia: o caso da professora branca que fingia ser negra

Mais do que uma maluquice individual, a história de Jessica Krug revela como a “narrativa dos coitadinhos” pode ser sedutora - e também lucrativa

Por Vilma Gryzinski 7 set 2020, 06h28
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  • “Da última vez que a vi, ela era loira”.

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    Assim uma pessoa da família resumiu o caso de Jessica Krug, professora da George Washington University que só não é mais bizarro porque os Estados Unidos estão passando por vários furacões políticos e sociais no momento.

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    Para se passar por negra e ter uma cátedra de estudos africanos – fora especialidade em América Latina -, Jessica, que diz falar português, seguia um figurino estereotipado.

    Cabelos tingidos de preto e amassados, brincões de argola, vestidos com estampa afro e o apelido de “Jess La Bombalera”, correspondente à sua mais recente identidade inventada, a de afro-caribenha do Bronx.

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    Detalhe: um colega negro desconfiou porque ela era ruim de dança, apesar do apelido de rainha da salsa.

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    Outro disse que a defendia dos que não a achavam “negra o suficiente”.

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    “Eu sabia que tinha alguma coisa errada”, escreveu Harri Ziad. “Vinha de uma negatividade e de um ciúme constantes, sempre achando que tinha que provar sua autenticidade à custa de tudo mais”.

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    Uma aluna finalmente apresentou uma queixa. Sabendo que a casa tinha caído, Jessica fez uma longa “confissão”, atribuindo a farsa a “demônios não resolvidos” relacionados a problemas de saúde mental originários da infância no Kansas.

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    Como fazem os sociopatas escolados, Jessica cultivava o perigo. Escreveu um ensaio com o título tirado de uma frase que alega ter ouvido do moçambicano encarregado de recebê-la no aeroporto de Maputo, onde havia desembarcado com uma bolsa de estudos: “Nós achamos que você seria branca”.

    De Angola, ela voltou com outro ensaio carregado de chavões, intitulado “A estranha vida do lusotropicalismo: raça, nacionalidade, gênero e sexualidade em Angola”.

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    Num livro recém-lançado, com o insuportável título de Modernidades Fugitivas, a professora fake fez uma dedicatória misteriosa: a seus antepassados, a seu irmão e “àqueles cujos nomes não posso dizer, por motivos de segurança, seja no meu barrio, no Brasil ou em Angola”.

    Qual os pontos em comum entre lugares tão diferentes, onde o simples ato de falar o nome de alguém pode expor a pessoa a perigos insinuados?

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    Imprimir um ar de aventureira global fazia parte, claro, da persona inventada por Jessica.

    Impostores que se passam por celebridades ou milionários são uma constante na crônica policial. 

    Mas o caso da professora universitária evoca uma pergunta inevitável: por que ela escolheu se fazer de negra e não de refugiada de Kosovo ou sefardita da Tunísia, como combinaria mais com seu histórico real de ascendência judaica?

    É claro que Jessica não se apresentava como uma historiadora negra numa universidade de elite, com uma honrosa história de sucesso acadêmico, mas como vítima do racismo institucionalizado. Contou certa vez a seguinte história:

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    “Quando eu era criança, não tinha como escapar da violência policial. Eu tinha cerca de cinco anos e estava voltando do parque com meu irmão, que tinha uns doze anos, e policiais o jogaram no chão. Assim foi toda a minha vida”.

    Existe exemplo mais perfeito de vitimologia inventada?

    A condição de negra também ajudou quando ganhou verba de um centro de pesquisas de cultura negra e uma bolsa no exterior bancada pelo farto dinheiro que irriga as instituições beneficentes voltadas para minorias. 

    A segunda pergunta que o caso de Jessica Krug evoca é: e daí? Ele fez algum mal, exceto contra si mesma, ao se condenar a uma vida inventada?

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    Os ex-colegas reclamam mais que a posição e as verbas obtidas por ela tiraram a vez de acadêmicos “negros de verdade”.

    Mas a produção acadêmica de Jessica Krug é exatamente do mesmo calibre da que seria produzida por professores com múltiplos tons de pele. 

    A área intelectual onde ela circulava não é exatamente a vanguarda do pensamento. 

    Repetir chavões, imprecar contra o imperialismo e enquadrar minorias raciais na “narrativa do coitadinho” são recursos amplamente explorados no mundo acadêmico. Aliás, parecem estar se tornando obrigatórios.

    Detalhe melancólico: no prédio onde mora, em Nova York, uma vizinha, Anna Andersen, disse que foi xingada de “ralé branca”. As duas tiveram um desentendimento por causa das bicicletas e Jessica aproveitou o assunto do momento com a cara de pau dos impostores profissionais.

    “Você sabe o que a polícia faz com gente como eu?”, perguntou.

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