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Tudo errado: clínica na Inglaterra forçava mudança de gênero precoce

Crianças com outros problemas psicológicos e sociais eram induzidas a intervenções médicas e funcionários que contestavam viravam “transfóbicos’

Por Vilma Gryzinski 15 fev 2023, 07h21

Bem perto do Museu Freud, instalado na casa onde o fundador da psicanálise vivia e atendia em Londres, a clínica Tavistock virou praticamente uma marca registrada do movimento trans: era o único lugar na Inglaterra onde crianças e adolescentes recebiam tratamento para a “transição”, a mudança de gênero que parecia a resposta a seus problemas.

Mas ocultava um buraco sem fundo, a convicção baseada em crenças ideológicas, mais do que em evidências médicas, de que todos os jovens pacientes que lá chegavam deveriam seguir o mesmo caminho. Bloqueadores de puberdade primeiro, depois hormônios do gênero que pareciam querer abraçar e finalmente intervenções médicas radicais, como mastectomias precoces para meninas com menos de 16 anos. Em alguns casos, as mães pressionavam por medidas médicas, convencidas de que ajudariam as crianças a resolver um “problema” que parecia evidente.

Os sinais de alerta eram impressionantes, mas não convenciam os responsáveis pela clínica pertencente ao sistema público de saúde que acabou com atividades suspensas e será fechada. Um exemplo quase inacreditável dado por um livro a ser lançado, antecipado pelo Telegraph: nada menos que 97,5% dos menores atendidos para iniciar o processo de transição de gênero tinham alterações psicológicas e sociais. E 70% sofriam de pelo menos cinco disfunções ao mesmo tempo: ansiedade, depressão, abuso, automutilação, bullying, desordens alimentares e tentativas de suicídio.

Enquanto em toda a Grã-Bretanha existem 2% de crianças com autismo, 35% das que chegavam em Tavistock estavam em algum ponto de espectro autista.

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É claro que deveriam ser tratadas como um todo, mas acabavam sendo segmentadas, rotuladas e encaminhadas para a transição depois de uma ou duas sessões com dois profissionais, diz Hannah Barnes, jornalista da BBC, autora do livro Tempo para Pensar, com depoimentos de pessoas que conheceram por dentro o Serviço de Desenvolvimento de Identidade de Gênero que funcionava na clínica Tavistock.

Muitos depoimentos narram como o serviço foi ficando cada vez mais submisso às demandas de movimentos de defesa de transgêneros, entre os quais a organização Mermaids, criada por uma mãe que levou seu filho de 16 anos para fazer a cirurgia que o transformou em menina na Tailândia (onde, hoje, estão proibidas).

Outro detalhe: funcionários homossexuais que levantavam dúvidas sobre o tratamento eram rotulados de “transfóbicos”.

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A desproporção no número de meninas ou adolescentes do sexo feminino também parecia um estridente sinal de alarme – que levou muito tempo para ser ouvido. Uma reportagem do ano passado do jornal The Times relatou que o número de casos envolvendo pacientes mulheres foi de 72 no período 2009/2010. Em 2016/2017, chegou a 1 807. Meninas e jovens passaram a constituir 70% dos atendimentos.

Teriam meninas com disforia de gênero se sentido mais livres para procurar a Tavistock e assim ser responsáveis por um aumento de 5 000% em sete anos? Ou haveria um “contágio social”, uma onda nascida entre grupos de adolescentes e nas redes sociais pressionando para que qualquer garota mais “problemática” fosse rotulada como um menino trans?

O bloqueador de puberdade Lupron passou a ser prescrito a partir dos onze anos de idade e vendido como uma “tecla pausa”, apenas um método para dar tempo às meninas para se definir melhor. Obviamente, as sequelas eram maiores. Uma das diretoras da clínica, Bernardette Wren, disse que “todos se preocupavam” com os efeitos futuros de um remédio que nunca tinha tido uso disseminado.

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Motivos fúteis, como “ela detesta ficar menstruada” – obviamente, não um sentimento raro -, eram invocados para tratamentos que mudariam permanentemente os jovens corpos.

O psicoterapeuta Anastassis Spiliadis ficou chocado com a rapidez das recomendações para tratamentos médicos e com o que considerou o predomínio de uma espécie de doutrina trans baseada na “teoria queer”, segundo a qual os médicos e terapeutas não deveriam ser guardiões da mudança de gênero dos menores, apenas propiciadores.

Spiliadis e um colega fizeram um estudo com 128 menores que procuraram a clínica, dos quais dois terços eram do sexo feminino, com o pedido inicial de bloqueadores hormonais. Com a terapia, outros problemas afloraram: isolamento social, pais com relacionamento rompido, autismo feminino, bullying de teor homofóbico. Muitos dos assistidos continuaram a se considerar trans, mas não quiseram mais tomar hormônios.

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A questão do atendimento a jovens com suposta ou real disforia de gênero obviamente é nova e raramente um profissional médico desejaria causar mal de maneira deliberada a seus pacientes. Mas vale a pena conhecer as experiências já acumuladas. Em países como Suécia, França e Finlândia, os tratamentos hormonais de menores estão sendo adiados. 

A psicóloga americana Erica Anderson acredita que as intervenções médicas foram longe demais e a onda de casos decorre do fenômeno chamado de contágio social, que já alimentou comportamentos patológicos de meninas como anorexia e automutilação. 

Erica é uma mulher trans, o que torna sua voz especialmente relevante. Ela acredita que os tratamentos médicos para transição de gênero, deveriam ser feitos a partir dos 26 anos, uma tese chamada de transição tardia.

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Médicos são tão humanos como todos nós, submetidos às mesmas pressões sociais  e podem cometer erros involuntários. Levados pelo desejo de fazer o que é certo, podem acabar fazendo o contrário. Ouvir, aceitar e amparar jovens que parecem querer a transição é um dever de todos os profissionais, da mesma forma que entender que outros motivos podem estar impulsionando este desejo.

Entre as pessoas trans que resolvem fazer a “destransição”, nada menos que dois terços são, originalmente, do sexo feminino. É um número desproporcional que indica a existência de casos tratados de maneira equivocada.

Da mesma maneira que pacientes celebram com seus médicos quando são “ajustados” ao gênero ao qual têm certeza pertencer, existe uma minoria oposta que não pode ser ignorada. O que responderão, no futuro, os profissionais envolvidos quando ouvirem palavras parecidas com as ditas por uma jovem que reverteu ao sexo feminino depois de fazer a mastectomia dupla: “Meus seios eram lindos e foram incinerados”?

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