Sobe gasolina, cai bolsa, inflação ruim, falta leite em pó: Biden vai mal
Preços desaceleraram e o desemprego diminuiu mas custo de vida se transforma na preocupação dominante e atinge popularidade do presidente
Poucas coisas azedam mais o humor da opinião pública do que a disparada na gasolina e o preço recorde atingido na terça-feira nos Estados Unidos (mais de 5 reais o litro, dependendo do estado; menos do que no Brasil) está ajudando a criar um clima de debacle para o governo de Joe Biden.
Com inflação de 8,3%, um mercado nervoso com bastante espaço para piorar, um encolhimento de 1,4% do PIB no primeiro trimestre e o espectro maligno da recessão pairando no horizonte – “Um pouso suave ainda é possível, mas improvável”, resumiu o colunista guru do Financial Times, Martin Wolf -, Biden faz o que pode, mas não está se saindo exatamente bem. Ao contrário, passa a imagem de presidente cucaracha ao tentar empurrar a culpa para a oposição – uma piada – e prometer que vai pedir às empresas que não aumentem preços.
O jornal Washington Times, evidentemente de direita, resumiu assim a origem do “espetáculo patético” oferecido pelo presidente::
“Todo mundo capaz de ler sabe que o problema inflacionário de Biden começou com uma das primeiras decisões ruins que tomou. Ignorando conselheiros democratas amistosos do tempo de Obama, Biden insistiu em se fazer de Papai Noel depois da eleição, distribuindo uma dose de mais dois trilhões de dólares de dinheiro da covid. Fez isso mesmo com a economia já embicada para a recuperação”.
“Os resultados inflacionários não só eram previsíveis, como foram de fato amplamente previstos. Consultem qualquer manual de economia: quando se põe tanto dinheiro novo em circulação num momento de retração produtiva, isso causa inflação”.
Existe uma boa dose de má vontade ideológica com o presidente democrata, mas a análise é fundamentalmente correta.
Pandemia, auxílios emergenciais, sufocos logísticos, guerra na Ucrânia e outros fatores incontroláveis estão alimentando o mesmo fenômeno inflacionário em países europeus desenvolvidos. Mas é nos Estados Unidos, pelas dimensões da economia e a influência no resto do mundo, que os reflexos são maiores.
Até tropeços episódicos, como a falta de leite em pó para bebês, resultado de problemas na cadeia de abastecimento e do recall de uma das grandes marcas, criam uma sensação de que “tudo está dando errado”.
Não está – o desemprego, por exemplo, teve uma queda notável (o que ironicamente insufla a inflação, ao aumentar a competição por mão de obra).
Mas o mal estar é palpável: Joe Biden tem avaliação mais negativa do que positiva em 46 dos 50 estados americanos. Na Califórnia, com enorme maioria democrata, 41% aprovam o governo e 47% desaprovam. Em estados que se movem para ambos os lados ou se inclinam mais para os republicanos, os números são catastróficos. O presidente tem 56% de desaprovação na Flórida e na Pensilvânia, 61% no Texas, 69% em Oklahoma e 75% na Virginia Ocidental.
Temas de grande repercussão, como a divulgação de um parecer na Suprema Corte contra o direito constitucional ao aborto em nível federal, envenenam extraordinariamente o ambiente político. O governo Biden achava que seria favorecido, pois a oposição republicana sairia como radical, mas protestos ensandecidos, inclusive dentro de igrejas, estão identificado o governo com posições extremistas e até abusivas.
O cidadão moderadamente a favor do aborto, até um certo prazo na gravidez, não pode aprovar ameaças de “queimar a Eucaristia de vocês”, feitas contra católicos em geral, ou os gritos de “abortar a Corte” proferidos na frente da casa de Samuel Alito, o juiz que escreveu o parecer.
E nem uma única mãe pode encarar sem preocupação a possibilidade de pagar 120 dólares por uma lata de leite em pó para seu bebê.
Faltam seis meses para a eleição legislativa de novembro, os preços que mais contam – comida e combustível – continuam subindo (gasolina, 44%; ovos, 23%; frango, 15%), a guerra na Ucrânia traz o risco constante de uma escalada descontrolada e Elon Musk vai deixar Donald Trump voltar ao Twitter.
Isso é uma brincadeira: Trump não precisa einar nas redes sociais para ter, hoje, uma ligeira vantagem sobre Biden. O próprio Biden está se encarregando disso.