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Por Vilma Gryzinski
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Só pode dar errado: governo americano quer ter “ministra da verdade”

Em nome do combate à desinformação, Joe Biden cria um organismo oficial — e o entrega a uma propagadora de inverdades

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 10 Maio 2022, 14h10 - Publicado em 10 Maio 2022, 07h34

O que é pior: censurar postagens no Twitter ou propagar que as vacinas contra a Covid são “o maior assassinato em massa da história da humanidade”? Proferir ameaças contra juízes da mais alta corte ou deixar um “espaço” para que cidadãos frustrados expressem sua insatisfação com decisões judiciais polêmicas? Deixar Donald Trump falar que a eleição presidencial que perdeu foi fraudada ou colocar na lista negra informações constrangedoras que poderiam prejudicar Joe Biden?

Tudo isso aconteceu nos Estados Unidos. Ou ainda está acontecendo, como no caso dos protestos em frente as casas dos juízes da Suprema Corte que apoiam o parecer de derrubar a decisão que liberou o aborto em escala nacional.

Intimidar integrantes do Judiciário é crime, mas a porta-voz da Casa Branca disse que o governo não tinha “uma posição” sobre o lugar onde cidadãos americanos podem fazer protestos pacíficos.

Mesmo quem acha que as manifestações pelo aborto têm aspectos condenáveis, quando não repugnantes — quem não quiser passar mal, nem ver uma mulher de collant que simula abortos com bonecas em frente a uma igreja —, tem que concordar com a porta-voz Jen Psaki.

Enquanto os protestos forem legais, estão dentro do direito à livre manifestação.

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Propagar mentiras sobre a vacinação contra a Covid? Agora que a epidemia refluiu, o assunto sumiu e o tribunal da opinião pública votou com os pés, indo maciçamente para os centros de vacinação se imunizar, mesmo que a proteção tenha sido menor do que o desejável. A parcela que não se vacinou influiu pouco no resultado final.

Sobre Trump e sua relação extremamente flexível com os fatos, grave mesmo foi como todo o establishment americano, dos serviços de inteligência às redes sociais e a grande imprensa, colaborou para classificar como “desinformação russa” a reportagem do New York Post que mostrava o envolvimento de Joe Biden em reuniões com empresários estrangeiros que haviam contratado os serviços de seu filho Hunter.

Chegamos assim à nomeação de Nina Jankowicz, uma das mais ardorosas partidárias dessa tese, vergonhosamente desmentida pelos fatos. Ela chegou a chamar de “conto da carochinha” a descoberta de informações comprometedoras num laptop deixado para conserto por Hunter Biden, num período em que estava mergulhado no alcoolismo e no crack.

Vários dos maiores jornalistas americanos defenderam exatamente a mesma posição, mas foi a nada destacada Nina quem ganhou o cargo de chefe da Junta de Governança da Desinformação, o patético nome da nova repartição do Departamento de Segurança Interna.

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O nome parece ter sido inventado por inimigos do governo, para evocar o orwelliano Ministério da Verdade do livro 1984.

A nomeação de Nina Jankowicz, que tem 33 anos e mentalidade de 13, descrevendo-se (e cantando paródias) como “a Mary Poppins da desinformação”, deve ter parecido uma ótima ideia para um establishment cheio de gerontocratas, onde ser mulher, jovem e capaz de postar no TikTok tornaram-se trunfos.

Não é. A melhor coisa que Biden poderia fazer em relação ao assunto seria arquivar a ideia e fazer de conta que nada aconteceu — e muito menos nos Estados Unidos, onde o conceito de liberdade de expressão foi tão absolutamente blindado numa constituição escrita por gênios que anteciparam as bobagens que poderiam ser assacadas na posteridade contra o princípio no qual todas as outras liberdades estão enganchadas.

Não existe nenhum outro lugar no mundo onde seja possível, com a mesma facilidade, ser militante da Ku Klux Klan, do Partido Nazista ou do Templo Satânico (com isenção fiscal e uma estátua a Bafomé erguida em Detroit).

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Por causa do poder das redes sociais de moldar pensamentos, propagar informações — falsas ou verdadeiras — e influir em resultados eleitorais, as discussões sobre a liberdade de expressão são um assunto incandescente tanto nos Estados Unidos como no Brasil.

A entrada de Elon Musk no mercado digital provocou ataques de nervos nas alas mais à esquerda e prognósticos ridiculamente apocalípticos. 

Alguém acha que Donald Trump se tornou menos influente por estar banido do Twitter? Pela média das pesquisas, se a nova eleição presidencial fosse hoje, ele teria 45% dos votos e Biden, 44,2%. 

O resultado pode ser, majoritariamente, debitado na conta de Biden, tanto por problemas pelos quais não pode ser responsabilizado quanto por aqueles que criou por iniciativa própria. Nos Estados Unidos existe um complicador: russos, chineses e até iranianos, entre outros agentes hostis, realmente tentam influenciar a opinião pública com grandes operações de desinformação. Insuflar as divisões sociais é a tática mais comum.

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O que quer que Nina Jankowicz possa fazer para combater esse tipo de manipulação será, de forma geral, mais prejudicial para a sociedade do que um grande liquidificador de ideias, inclusive as fabricadas por inimigos dos Estados Unidos?

Definir o que é “verdade”, ou a versão mais parecida com ela que conseguem reconstituir (a missão de jornalistas que honram a profissão), não deveria caber a integrantes de governos, mesmo que fossem imparciais (o que não é o caso de Jankowicz).

Até as agências de checagem criadas por redes sociais e órgãos de imprensa têm sido contaminadas pela politização. 

“O termo ‘especialista em desinformação’ foi talhado para passar opiniões ideológicas como se fossem a Verdade Oficial, em nome de centros de poder estatais ou corporativos”, escreveu, numa análise arrasadora, o jornalista Glenn Greenwald.

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“Quando estes grupos são submetidos a um escrutínio minimamente investigativo, descobre-se que são qualquer coisa, menos apolíticos e neutros. Frequentemente, são financiados pelo mesmo punhado de bilionários liberais (como George Soros e Pierre Omidyar), agências de segurança estatal dos Estados Unidos, Reino Unido ou União Europeia, e/ou monopólios Big Tech como Google e Facebook”.

(Detalhe: o franco-americano-iraniano Omidyar foi quem bancou a primeira iniciativa própria de Greenwald, o site Intercept, que divulgou conversas capturadas de integrantes da Lava Jato. Greenwald rompeu com o Intercept e agora escreve para o Substack).

O trabalho de jornalistas deve ser constantemente submetido a escrutínio, inclusive em suas motivações políticas. Jornalistas não estão acima da lei, da mesma forma que quem comete injúrias ou faz ameaças de violência física. Todos os mecanismos para lidar com isso já existem e não precisam de Nina Jankowicz — ou similares, pois os copiadores devem estar entusiasmados — para reforçá-los.

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