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Rússia e Ucrânia: uma história de sangue e sofrimento que não acaba nunca

Da Grande Fome que matou milhões durante o stalinismo à ameaça atual desfechada por Vladimir Putin, sequência de tragédias sem fim

Por Vilma Gryzinski 25 jan 2022, 07h44

Irá Vladimir Putin invadir a Ucrânia e anexar, mesmo que seja com outro nome, pelo menos um grande pedaço do país?

Esta é a pergunta de 100 milhões de rublos. A lógica e os princípios mundialmente aceitos, mesmo por países párias, sobre soberania e autodeterminação dos povos dizem que não. 

A história deixa muitas dúvidas. 

O mais veemente retrato dessa história talvez seja a estátua em Kiev de uma menininha com tranças de camponesa e ossos furando a roupa. Velas, flores, feixes de trigo, pães, maçãs e potes de mel são deixados a seus pés, em imagens que lembram cenas de devoção popular em túmulos de crianças “milagreiras” no Brasil.

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As oferendas de alimentos também simbolizam um desejo inconsciente de dar de comer aos mortos pela Grande Fome, um dos episódios mais hediondos da história de todos os tempos. 

Aconteceu há noventa anos, entre 1932 e 1933, um tempo histórico suficientemente curto para ainda atormentar a memória dos vivos que tiveram avós e bisavós afetados pela mortandade.

Três, quatro ou até dez milhões é a quantidade de vítimas estimadas do Holodomor, o genocídio programado dos kulaks, equivocadamente qualificados de agricultores “ricos”, que ganhavam a vida nas férteis terras negras que são a riqueza da Ucrânia.

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Para quebrar as resistências à coletivização do campo, Stálin fez de tudo. Implantou impostos e cotas absurdas, deportou mais de 100 mil famílias para a Sibéria e o Cazaquistão, decretou o confisco até dos mais escondidos sacos de batata. 

Desencadeou assim a Grande Fome, literalmente a morte lenta por inanição de milhões de pessoas, uma catástrofe sem precedentes em tempos de paz. Ironicamente, não faltava comida: as vítimas teriam com o que se alimentar se sua produção não tivesse sido confiscada pelas brigadas de agentes especiais enviadas para quebrar a espinha dos agricultores e destruir qualquer resistência.

Mesmo os que não resistiam eram exterminados. Em sua eliminação sistemática de inimigos reais ou imaginários, Stálin mandou matar 99 dos 102 integrantes da cúpula comunista na Ucrânia.

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A fome foi tão grande que houve episódios de canibalismo e até de pais, alucinados pela fome, que matavam filhos pequenos para comer, uma execração tamanha que até hoje é difícil de ser aceita como um fato real.

Simultaneamente à extinção das pequenas aldeias que eram a alma do país, começou o processo de russificação, origem das populações russas transferidas, ao longo de décadas, para a Ucrânia. Este é o pretexto mais comum para as intervenções russas decretadas por Putin. Na Crimeia, por exemplo, a anexação de 2014 foi bem recebida por uma população que é 65% de origem russa.

Curiosamente, a Ucrânia não é um país menor que se descola de uma nação maior. Ao contrário, foi a Rússia que “nasceu” da Ucrânia, com o deslocamento ou a conversão ao cristianismo de eslavos que deram origem ao Grão-Ducado de Moscou.

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Putin gosta de dizer que Rússia e Ucrânia nasceram na mesma pia batismal em que foi convertido o príncipe Vladimir de Kiev, no ano 988.

No ano passado, ele escreveu um ensaio intitulado “Sobre a Unidade Histórica de Russos e Ucranianos”. Obviamente foi contestado por historiadores que discordam dessa unidade e veem no artigo, com razão, um disfarce intelectual para o neo-imperialismo de Putin.

Muitos argumentos de Putin estão sendo repetidos por figuras da direita não-tradicional americana, que martelam uma pergunta unânime: por que os Estados Unidos se arriscariam a um conflito, mesmo com Joe Biden já tendo descartado a via bélica, por causa de um país que, em termos de íngua, religião, origem nacional e esfera geopolítica, tem muito mais a ver com a Rússia do que com o mundo ocidental?

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Além de ser perversa, por negar aos ucranianos o direito à autodeterminação, a pergunta ignora não só os interesses americanos em não deixar desmanchar a ordem pós-fim da Guerra Fria como as complexidades de um país tão longe de Deus e tão perto da Rússia – uma paródia, no caso, da relação entre México e Estados Unidos.

Com as fronteiras alteradas, ao longo de séculos, por vizinhos mais fortes como a Polônia, o Império Austro-Húngaro, a Alemanha nazista e o império russo, na sua versão monárquica ou soviética, a Ucrânia teve apenas um intervalo, o atual, de independência real. Hitler queria escravizar a Ucrânia, tomar seus recursos naturais e eventualmente substituir toda a sua população por alemães da raça superior (um propósito estendido a todos os povos eslavos).

Ironicamente, em nome dos arrependimentos pelos crimes nazistas, a Alemanha contemporânea não deixa outros países enviar, por seu território, armamentos para reforçar a resistência ucraniana no caso de uma invasão russa.

Diante de forças dez vezes mais poderosas, seria uma oposição tristemente fadada ao fracasso, um assunto em que o país tem experiência – poucos sabem que, depois do fim da II Guerra, bolsões de resistência continuaram a lutar durante anos contra forças soviéticas. 

Se esta invasão vai acontecer ainda é uma questão altamente sujeita a dúvidas. Mas a Ucrânia já está descobrindo, mais uma vez, que está sozinha?

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