Como atingir diretamente os terroristas, que têm por objetivo a extinção de Israel, sem provocar muitas vítimas inocentes? Este dilema, vivido diariamente em Gaza por causa da camada de população civil na qual os terroristas do Hamas se envolvem, foi resolvido de maneira jamais vista no Líbano. Parece um filme de ficção científica em que dispositivos variados se voltam contra seus portadores – todos membros do Hezbollah. O número de mortos é relativamente pequeno, cerca de 26 até agora, em razão do baixo teor de explosivos inseridos nos aparelhos de comunicação, mas os feridos chegam à casa dos cinco mil.
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Pagers, walkie-talkies, câmeras de vídeo e painéis de energia solar tornaram-se armas perigosas para seus detentores. Cerca de sessenta casas e lojas sofreram incêndios. Uma das explosões aconteceu na cerimônia fúnebre de quatro mortos na sabotagem de terça-feira. É como se fosse a realização da mais conhecida das máximas de Sun Tau: “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”.
Disse também, ou se acredita que disse, o sábio chinês: “Se o inimigo deixa uma porta aberta, precipitemo-nos por ela”.
Qual foi a porta que Israel encontrou aberta? O caso dos pagers já está sendo desvendado. O Hezbollah fez uma encomenda grande a uma empresa de Taiwan dos aparelhos de comunicação, esquecidos pela maioria das pessoas, mas usados pelos terroristas justamente para evitar os celulares, facilmente rastreáveis e seguidos de mísseis ou drones que já mataram dezenas de chefões do grupo político-religioso.
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“SÓ UMA INTERMEDIÁRIA”
Os pagers da empresa chamada Gold Apollo, por suprema ironia, foram terceirizados através da Hungria, por uma empresa associada chamada BAC Consulting. É claro que muitos estão desconfiando que fosse um negócio de fachada do Mossad. “Os pagamentos eram muito estranhos”, declarou Hsu Ching-kuang, da matriz taiwanesa. Quão estranhos? Vinham através do Oriente Médio, afirmou o executivo, sem mais detalhes.
A diretora da BAC, Cristiana Barsony-Arcidiacono, tirou o corpo fora: “Eu não fabrico os pagers. Sou só uma intermediária”.
Com toda certeza, os pagers do modelo AR-924 foram interceptados em massa em algum ponto da cadeia de produção, uma operação que exigiria conivência em altíssimo nível e escala. Em cada aparelho foram colocados de dez a vinte gramas de explosivos de uso militar e um mecanismo de acionamento à distância. A fatídica encomenda foi enviada ao Líbano e distribuída pelo Hezbollah entre seus militantes. Um simples código alfanumérico acionou os explosivos que deixaram os aparelhos calcinados e provocaram ferimentos na região abdominal, em mãos, rostos e olhos de seus portadores.
É possível que os pagers sabotados também tenham chegado às mãos de integrantes da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã operando na Síria.
Uma fonte saudita disse que dezenove iranianos foram mortos assim. O Irã nega, ou porque o fato realmente não ocorreu ou por não querer admitir mais um feito do Mossad, considerado impressionante por todos os especialistas. E mais humilhante ainda depois que o regime fundamentalista teve sua segurança espetacularmente furada com o atentado contra um dos maiores terroristas do Hamas, Ismail Haniye, morto por uma bomba escondida debaixo de sua cama na casa de hóspedes reservada a figurões e aliados do regime.
COMPLÔ CONTRA NETAN¥AHU
Ainda está por acontecer a vingança iraniana pela morte de Haniye, que estava no país para a posse do novo presidente, à qual também compareceu, como representante do Brasil, o vice-presidente Geraldo Alckmin, repartindo a fileira da frente com a maior concentração de líderes terroristas da história.
Se as notícias sobre um complô contra Benjamin Netanyahu, o ministro da Defesa Yoav Gallant e Ronem Bar, o diretor do Shin Bet, o serviço de inteligência interna, forem confirmadas, teríamos um sinal de como a vingança está sendo planejada.
O acusado é um árabe israelense e pode ter sido levado de contrabando ao Irã, na caçamba de um caminhão, para discutir os planos. A trama fica, assim, mais complexa.
Haverá comunicado do Itamaraty condenando? Vamos ver.
CABEÇAS ABAIXADAS
O Hezbollah é uma criação do Irã, que infundiu método e disciplina entre libaneses xiitas inconformados com a posição de inferioridade, em seu país, de seguidores de seu ramo minoritário da religião muçulmana.
Hoje, a situação é oposta: os xiitas do Hezbollah dominam todas as instituições do Líbano e muçulmanos sunitas e cristãos – maronitas, que são católicos, ou ortodoxos – abaixam as cabeças. Orgulhosos de suas origens, defensores de seus grupos, todos foram avassalados. É triste ver isso, principalmente no Brasil, com tantos e tão bem sucedidos descendentes de libaneses.
Também é triste ver a radicalização dos xiitas, que nada tinham de extremistas originalmente; apenas seguiam princípios religiosos tradicionais, além da grande tradição árabe de hospitalidade.
São raros os que ousam dizer alguma coisa sobre os constantes ataques com mísseis e foguetes do Hezbollah contra Israel, inclusive um que matou doze crianças da minoria drusa – árabes, portanto -, sem que exista nenhuma razão, exceto pelo fundamentalismo mais ensandecido, para arrastar o Líbano na direção de outra guerra.
A explosão dos pagers e outros aparelhos, infelizmente, não é uma alternativa, apenas uma operação de sabotagem como nunca existiu antes, que infunde desorientação e temor, mas não afeta a estrutura militar poderosa e disciplinada do Hezbollah.
PRECISÃO CIRÚRGICA
Ao contrário do que pregava Sun Tzu, não é uma guerra que possa ser vencida sem lutar – exceto se houver um acordo de cessar-fogo que leve à libertação dos reféns tomados pelo Hamas e abra caminho a, se não a paz, uma não guerra de extensão regional.
Caso contrário, é possível que Israel e o Hezbollah partam para o confronto total e o que virá disso não terá nada da precisão cirúrgica das máquinas que explodem.
As explosões em série apenas precederiam uma operação em larga escala para criar uma “zona de segurança” no sul do Líbano, permitindo o retorno da população israelense evacuada da fronteira por causa dos foguetes do Hezbollah. A rebelião das máquinas aparentemente foi antecipada porque a operação poderia estar perto de ser descoberta. Ou em represália por uma tentativa de assassinato contra um ex-chefe do Estado Maior das Forças de Defesa de Israel, o ex-ministro da Defesa Moshe Yaalon. Agora, circulam os boatos sobre planos contra. A rede de terroristas também era formada por cidadãos israelenses árabes, conectados ao Hezbollah.
“Não é a primeira vez que tentam me matar”, disse Ya’alon, sem parecer muito abalado. “Minha visão de mundo é de alguém que ataca, não de quem é atacado, mas tomo minhas precauções”.
Diante dos precedentes, também seria aconselhável não dividir lugares de honra com terroristas e ficar longe de qualquer aparelho movido a bateria no Líbano.
Sempre atrasado, desatualizado e equivocado, o Itamaraty reforçou a linha pró-Hezbollah e condenou “a série de explosões coordenadas e simultâneas de centenas de aparelhos eletrônicos ocorridas no Líbano”. O Mossad deve ter tremido nas bases.