O modo de funcionamento dos ditadores é sempre o mesmo: decisões voluntariosas, quando não ridículas – pensem, entre outros exemplos, em Nicolás Maduro antecipando o Natal -, com base em caprichos e raciocínios tortuosos. Tudo isso faz parte de duas notícias provindas da Coreia do Norte. Primeira, Kim Jong-un anunciou que vai aumentar “exponencialmente” o número de armas nucleares por causa das “várias ameaças dos Estados Unidos e seus seguidores”. Segunda, agências de viagem chinesas estão antecipando a volta, em dezembro, das excursões a seu isolado e bizarro vizinho.
Kim Jong-un fechou as fronteiras em 2020, por causa da pandemia de covid e ficou trancado num de seus palácios. Agora, acha que chegou o momento adequado para reabrir as portas – e mostrar que continua no caminho aloprado da expansão do arsenal nuclear, constituindo, pelo risco de instabilidade, uma das maiores ameaças planetárias em matéria de risco da “guerra do fim do mundo”.
A reabertura ao turismo é controladíssima. Numa primeira fase, envolve apenas a cidade totalmente artificial de Samjiyon, uma estação de esqui onde faz vinte graus abaixo de zero no inverno. Ela é apresentada como “utopia socialista” e “modelo de cidade de montanha altamente civilizada”. Será reaberta a visitantes de países amigos, como Rússia e China. Antes do total fechamento das fronteiras, o turismo à Coreia do Norte era dominado por 90% de chineses. Visitantes individuais não são admitidos.
A Coreia do Norte desperta grande curiosidade por ser um experimento comunista sem similares, um país miserável e praticamente inacessível com armas nucleares (facilitadas pela China) comandado por uma dinastia familiar que já chegou no neto do seu fundador e, aparentemente, se estenderá à filha dele, Kim Jun Ae, que tem entre dez e doze anos. Um clone do rubicundo pai, ela começou a ser levada para cerimônias oficiais. Todas as conclusões sobre a sucessão são baseadas nesses compromissos públicos.
Presumivelmente, a transmissão de poder levará muito tempo para vir a ser confirmada: Kim Jong-un tem apenas 40 anos. Como nas monarquias tradicionais do passado, os Kim mandam em literalmente tudo até na morte dos outros. Nas suas próprias, ainda está difícil: o pai do atual tirano, Kim Jong-il, teve um infarto fulminante, em 2011, e o filho se tornou o ditador hereditário com cerca de 27 anos (também não há certeza absoluta sobre sua idade).
CONTROLE FACIAL
Seguindo as regras do regime político e econômico alucinado, a Coreia do Norte sofreu mais ainda do que o obrigatório por causa da pandemia, com as restrições aos produtos chineses chegando a provocar um estado extremo de penúria em matéria de medicamentos e outras necessidades essenciais- nada que importe muito a Kim e companhia.
Em compensação, o pequeno tirano quer parecer um benfeitor preocupado com a nação que sufoca e reprime a ponto de determinar medidas extremas a quem for pego vendo vídeos ou outras imagens provenientes de seu inimigo mor, a Coreia do Sul.
Para mostrar essa preocupação, ele mandou fuzilar entre 20 e 30 funcionários do governo que não se mostram à altura, por assim dizer, das grandes enchentes que atingiram a região norte do país, deixando uma quantidade calculada em milhares de mortos – outra das pragas recentes enfrentadas pelo país, com cidades inteiras onde as casas ficaram com água até o telhado.
As informações sobre os fuzilamentos são originárias da única fonte para esse tipo de notícia: o serviço de inteligência da Coreia do Sul. São confiáveis ou os adversários exageram por motivos propagandísticos?
Muitas informações plantadas pelos sul-coreanos acabaram se revelando verdadeiras. E nada pode ser suficientemente exagerado quando envolve a Coreia do Norte. O fuzilamento de funcionários já seria um espanto, mas uma fonte norte-coreana, obviamente anônima, acrescentou que sobreviventes das enchentes tiveram que assistir vídeos mostrando Kim como herói e não podiam mostrar nenhum traço de tristeza no rosto. O verdadeiro controle facial.
DISNEYLÂNDIA COMUNISTA
Isso sim é uma ditadura mais que perfeita: até as expressões faciais são comandadas. O medo de que os jovens descubram a vida confortável e a cultura popular florescente na Coreia do Sul, a metade capitalista do país inspira controles espantosos.
Em junho, circulou um vídeo clandestino mostrando dois adolescentes algemados diante do público de um estádio, sendo condenados a penas de trabalho forçado por assistirem e distribuírem irresistíveis produtos do K pop. “Eles têm só 16 anos, mas arruinaram o seu próprio futuro”, diz um locutor do estádio.
Mesmo assim, ou talvez por causa disso, alguém se anima a conhecer a Coreia do Norte? Os visitantes têm que ter aprovação oficial. E esperar que, além da disneylândia comunista construída em Samjiyon, com prédios residenciais novos em folha, hotéis e uma estação de esqui, as visitas a outros pontos do país sejam liberadas.
Só não vale a pena arriscar e ouvir K pop pelo celular.
Mas isso seria um tanto difícil porque a Coreia do Norte não tem internet para a população comum. E o uso de VPN é totalmente ilegal. O ridículo sempre tem uma explicação.