“É exatamente como uma bomba nuclear. Em outras palavras o Líbano tem uma bomba nuclear. Não é exagero”, diz Hassan Nasrallah num vídeo de 2016, desencavado agora por motivos óbvios.
Não foi o único. O líder do Hezbollah fez vários discursos se referindo à “amônia” armazenada em Haifa, a cidade portuária israelense.
Uma explosão nesses estoques deixaria dezenas de milhares de mortos e 800 mil feridos, diz. Quando faz a comparação com uma bomba nuclear, dá risada.
“Tem um navio que traz amônia e descarrega em Haifa, é como se fossem cinco bombas atômicas na Palestina ocupada”, compara. Palestina ocupada é como chama Israel.
É possível que o Hezbollah, hoje no controle de praticamente todas as instituições libanesas, ignorasse o depósito, no porto de Beirute, de 2.750 toneladas de nitrato de amônio provenientes de uma empresa russa de transporte marítimo que faliu?
O mesmo Hezbollah que tentou usar o Ministério da Agricultura para importar nitrato de amônio via Síria?
As perguntas são infindáveis diante da extensão da destruição em Beirute e as suspeitas de que a pura e simples negligência não explica o desastre.
Principalmente num país pequeno, onde informações desse tipo podem render não só intrigas como dinheiro.
O nitrato de amônio, usado para produzir nitrogênio em fertilizantes agrícolas, não é volátil, mas o potencial de perigo no caso de faíscas, explosões acidentais próximas ou calor extremo recomenda que seja armazenado em quantidades menores, separadamente.
Só para comparar o potencial destrutivo: em 19 de abril de 1995, a carga explosiva montada por um ex-militar chamado Tim McVeigh para explodir um prédio público em Oklahoma, escolhido como símbolo do poder do Estado, usou três toneladas do fertilizante.
A fachada frontal do prédio desabou e mais de 500 edifícios foram afetados, em graus variados dependendo da onda de choque. Morreram 168 pessoas e 680 sofreram ferimentos.
McVeigh, um simpatizante de teorias malucas de ultradireita, assumiu tudo e foi difícil encontrar quem chorasse por ele, ou condenasse a pena capital, quando se deitou numa maca para receber a injeção letal, em 2001.
Seu cúmplice, Terry Nichols, escapou da pena máxima, mas vai precisar de mais 160 vidas para cumprir as sentenças de prisão perpétua.
Nos “vídeos da amônia”, gravados entre 2016 e 2017, Hassan Nasrallah diz que Israel mudou de lugar os estoques do composto químico em Haifa depois que ele falou sobre o assunto. Daí a ideia de usar um navio mercante como foco para um atentado em escala catastrófica.
Os vídeos foram revelados pelo Jerusalem Post e, evidentemente, se somam às teorias que procuram explicar o que parece inexplicável, um desastre mais demolidor ainda porque atingiu justamente a região central de Beirute, reconstruída depois da guerra civil.
Quem viu as duas Beirutes, a devastada e a reerguida, tem dificuldade para aceitar que corrupção, negligência criminosa, desgoverno, sectarismo e outros males que infernizam o Líbano bastem para explicar a explosão no armazém de fertilizante.
No ano passado, foi revelado que o serviço de inteligência do Reino Unido havia descoberto em 2015 uma “fábrica de bombas” do Hezbollah na periferia de Londres. Três toneladas de nitrato de amônio eram guardadas em milhares de embalagens descartáveis para gelo.
O mesmo composto químico levou à condenação a seis anos de prisão de um militante do Hezbollah em Larnaca, na ilha de Chipre. A ideia era produzir explosivos para um atentado contra turistas israelenses judeus.
Em 2018, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mostrou diante da Assembleia Geral da ONU um mapa do aeroporto de Beirute com três locais assinalados como áreas de produção de mísseis teleguiados para o Hezbollah.
“O Hezbollah está usando deliberadamente o povo inocente de Beirute como escudo humano”, disse.
Mas é claro que tudo pode ter sido um acidente provocado por fogos de artifício.