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Política olímpica: broche de Mao é último de muitos gestos nada neutros

É claro que ciclistas chinesas não fariam sem ordens superiores a manifestação que um intimidado Comitê Olímpico vai deixar passar em branco

Por Vilma Gryzinski 4 ago 2021, 08h40

Desde que Lísias fez um discurso apaixonado contra Dionísio, tirano de Siracusa, na Olimpíada do ano 388 antes de Cristo, a maior competição esportiva do planeta não escapa de uma atividade intensamente competitiva onde as disputas são travadas fora dos estádios.

Mas seria ingenuidade acreditar que foi um impulso espontâneo que levou as ciclistas chinesas Bao Shanju e Zhong Tianshi a colocar um broche de Mao Tsé Tung  no peito de seus agasalhos.

Nenhum cidadão chinês que está representando o país numa vitrine tão espetacular como a Olimpíada tem autonomia para iniciativas assim.

É possível que o distintivo tenha sido uma forma indireta de lembrar os cem anos do Partido Comunista Chinês, efeméride comemorada com grandes encenações patrióticas – e como uma reafirmação do poder absoluto desfrutado pelo presidente Xi Jinping.

Embora a China somente tenha se transformado numa potência econômica depois de jogar no lixo todas as insanidades coletivistas de Mao, o fundador da república comunista continua a ser oficialmente celebrado como uma figura fulcral.

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O Comitê Olímpico Internacional pediu ao comitê chinês que investigue se os broches infringiram as regras que proíbem qualquer tipo de propaganda política, religiosa ou racial, “incluindo cartazes ou braçadeiras”.

O inferno vai gelar antes que venha uma confirmação chinesa. E o COI está sem moral para reclamar, tanto pelo poder de intimidação da China quanto por suas próprias concessões a gestos políticos como os punhos cruzados em forma de Xis de Raven Saunders ao ganhar a medalha de prata em arremesso de peso.

Se alguém achasse que uma atleta americana negra e LBGT poderia ser punida por ressaltar a “interseccionalidade” de sua posição, a tradução dos punhos cruzados, estaria em outro planeta.

Ver a mistura de esportes com política é um dos aspectos mais interessantes da Olimpíada. As manifestações associadas a eventos esportivos podem trazer surpresas, como a multidão que acompanhou num shopping de Hong Kong a vitória de Edgar Cheung na esgrima.

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Com a mesma emoção da comemoração da vitória, muitas pessoas vaiaram o hino nacional chinês quando o espadachim recebeu a medalha de ouro. Um grito desafiador se ergueu da multidão, repetido várias vezes, em inglês: “Nós somos Hong Kong”.

A reafirmação da identidade da cidade-estado que foi devolvida ao controle chinês com garantias não cumpridas de autonomia política é um dos elementos que mais perturbam o regime comunista.

Um homem foi preso, depois de identificado como um dos que vaiaram o hino nacional chinês. O “crime” pode render até nove anos de prisão.

Regimes autoritários são os que mais procuram se legitimar através do esporte, expondo-se muitas vezes ao ridículo.

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“Um direto no rosto da direita”, comemorou o Granma, jornal do Partido Comunista Cubano, depois que o boxeador Julio César La Cruz ganhou do compatriota exilado na Espanha Enmanuel Reyes.

Fidelíssimo ao regime, La Cruz gritou na comemoração: “Pátria e vida, não. Pátria ou morte. Venceremos.”

O primeiro slogan explodiu nas surpreendentes manifestações de protesto que afloraram em Cuba no dia 11 de julho. Fruto, segundo o Granma, de “uma armadilha diabólica orquestrada pela extrema-direita radicada nos Estados Unidos e cujo objetivo é apresentar Cuba como um país sem esperança, que vive em meio ao caos”.

Transposto para o campo esportivo, o confronto direita versus esquerda gerou nos Estados Unidos uma situação não muito diferente das que já ocorreram no Brasil. Republicanos mais da linha trumpista comemoraram quando a seleção feminina de futebol foi eliminada pelo Canadá.

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Motivo: Megan Rapinoe, a atacante de cabelo cor-de-rosa (ou roxo, dependendo da ocasião). Rapinoe se recusou a ir à Casa Branca de Donald Trump depois que a seleção americana ganhou  o campeonato feminino de 2019. E continua a se ajoelhar antes de todos os jogos, no gesto associado ao Black Lives Matter – manifestação que o COI considera adequada.

Até agora, o único gesto que lembrou os tempos da Guerra Fria, quando as Olimpíadas incluíam obrigatoriamente deserções de esportistas de satélites soviéticos da Europa Oriental, foi o da corredora Krystina Timanovskaya.

Depois de denunciar que estava sendo levada à força de volta para seu país, a Belarus do ditador Alexander Lukashenko, ele pediu asilo político na Polônia.

Muitos oposicionistas da Belarus asilaram-se na Polônia e na Lituânia depois que Lukashenko conseguiu sobreviver, na base da repressão, a enormes manifestações de protesto que tomaram todo o país.

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O caso de Krystina precipitou-se depois que ela reclamou que, apesar de estar inscrita na corrida de 200 metros, havia sido colocada na equipe de revezamento de 4×400 metros.

Uma banalidade levada muito a sério pelo tipo de governante que associa regimes políticos a desempenho esportivo.

Faturar – ou tentar – alguns pontinhos com o surtos de orgulho nacional que inevitavelmente acompanham vitórias nos esportes é natural. Atos repressivos como em Hong Kong ou na Belarus são outra coisa.

Aos tiranetes atuais, vale lembrar: a inquieta multidão da Olimpíada na qual o orador Lísias criticou Dionísio acabou saqueando o acampamento do tirano de Siracusa (atual Sicília). Os ornamentos de ouro das barracas foram considerados um excesso de exibicionismo.

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