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Panfletos não mudam eleição, poucos influem, todos amam

Na campanha americana, apenas um único intelectual fez um manifesto a favor de Trump; muitos falam nisso até hoje porque apelou a argumento matador

Por Vilma Gryzinski 5 out 2018, 08h42
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  • “Um governo de Hillary Clinton é uma roleta russa feita com uma semiautomática. Com Trump, pelo menos você pode girar o cilindro e arriscar a sorte.”

    Esta foi a essência do ensaio publicado em 5 de setembro de 2016 por um intelectual americano que escrevia sob pseudônimo.

    O argumento e o título se referiam ao tragicamente legendário vôo 93 da United Arlines. Foi o único dos aviões sequestrados pelos terroristas da Al Qaeda em 11 de setembro de 2001 que não atingiu o alvo.

    O objetivo era explodir o avião com todos dentro em cima do Capitólio, a sede do Congresso. Já sabendo dos outros ataques suicidas, vários passageiros improvisaram um plano e tentaram invadir a cabine comandada por um dos terroristas, mesmo sabendo que tinham chances mínimas.

    O plano improvisado ficou registrado em chamadas por celular. Houve um confronto cujos detalhes jamais conheceremos, mas o resultado entrou para os livros de história: o avião caiu num campo do estado da Pensilvânia, matando as 44 pessoas a bordo.

    Ao comparar um voto em Donald Trump ao gesto desesperado dos passageiros, o autor assumiu um risco enorme. Quase sem exceção, toda a direita tradicional americana, à qual ele dirigiu seu artigo, abominava Trump.

    A tal ponto que, num site agregador como o RealClearPolitics, onde se alternam os principais artigos de opinião, liberais e conservadores, era difícil encontrar algo digno de publicação a favor de Trump.

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    Foi aí que começaram a aparecer artigos mais parecidos com paródias, mas cheios de requintes acadêmicos, provenientes de um blog criado só para isso, o Journal of American Greatness.

    Todos escreviam com pseudônimos tirados de personagens históricos da Roma antiga, como na época da Independência americana.

    OVELHA NEGRA

    O autor do ensaio “The Flight 93 Elections” assinava como Públio Décio Mus, um obscuro, para os não iniciados, cônsul que se sacrificou voluntariamente, num ritual de alto simbolismo religioso, marchando suicidamente contra o inimigo na batalha do Vesúvio.

    Logo foi identificado, por intelectuais da direita tradicional, como uma negríssima ovelha chamada Michael Anton, ligado ao Claremont Institute, um think tank conservador em plena república progressista da Califórnia.

    Com seu ensaio, Anton realizou o sonho de todos os autores de artigos, editoriais e manifestos, automaticamente transferidos para a categoria de panfletos em épocas pré-eleitorais: causar.

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    Inclusive pela falta de concorrência. Mais de 240 jornais americanos apoiaram Hillary Clinton na eleição de novembro de 2016. Do lado de Trump, 19.

    Não que os eleitores trumpistas lá do Meio Oeste estivessem particularmente interessados em paralelos com Roma antiga ou fossem ser influenciados por um intelectual tão fascinado por moda masculina que escreveu uma paródia de O Príncipe, de seu maquiavélico ídolo, com o título O Terno. Nesse livro, usou o pseudônimo Nicholas Antongiavanni.

    O ensaio causou um rebuliço na classe do comentariado e chamou a atenção de Steve Bannon, o estrategista internético da campanha de Trump.

    As linhas de abertura foram muito repetidas, geralmente em tom de crítica ou até de escárnio, em especial por conservadores antitrumpistas. Toda briga realmente boa é sempre interna, seja à esquerda, seja à direita.

    “2106 é a eleição do Vôo 93: ataque a cabine ou morra. Você pode morrer de qualquer maneira. Você  ou o líder do seu partido  pode conseguir entrar na cabine e não vai saber como pilotar ou pousar o avião. Não existem garantias”, escreveu Anton (o que aconteceu depois com ele será contado no final).

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    Fazer paralelos é sempre uma opção de alto risco, mas é difícil não notar os pontos em comum no levantamento de problemas dos Estados Unidos, do ponto de vista da direita, feito por Anton.

    “Os conservadores rotineiramente fazem uma litania dos males que atormentam o corpo político. Ilegitimidade. Crime. Governo gigantesco, caro, invasivo e fora do controle. Macartismo politicamente correto. Impostos cada vez mais altos e serviços e infraestrutura cada vez mais deteriorados. Incapacidade de ganhar guerras contra inimigos tribais do subterceiro mundo. Um sistema educacional desastrosamente horrível que produz crianças que nada sabem.”

    “Trump é pior do que imperfeito. E daí?”, espetou Anton em seu momento Thomas Paine, autor do mais importante panfleto da história americana, intitulado Senso Comum.

    Com seu estilo naturalmente inflamado, mas bem fundamentado e claro, Paine contribuiu para que os americanos em estado de pré-rebelião decidissem a mais formidável das dúvidas: fazer algum acordo com a Inglaterra ou partir para a independência inequívoca.

    Seis meses depois, em julho de 1776, os Pais da Pátria assinaram a Declaração da Independência.

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    Paine, que era inglês e só imigrou para os Estados Unidos aos 37 anos, continuou com a sua militância furiosamente antimonarquista e foi para a França revolucionária, sempre panfletando. Escapou por pouco da guilhotina autofágica.

    DÂNDI NA CASA BRANCA

    O Manifesto Comunista (1848) teve em sua essência o mesmo espírito panfletário. A Liga Comunista era minúscula, mas Marx e Engels pensavam grande e queriam mudar o mundo com a tomada do poder pelo proletariado. Lênin argumentou em Que Fazer (1902) que os proletários não iam fazer grande coisa por si mesmos. Precisavam de uma vanguarda. Tipo partido único.

    Ambos podem ser considerados os panfletos mais influentes dos últimos 170 anos. Obviamente, Michael Anton, um dândi de origem libanesa que chegou a trabalhar como ajudante de cozinha num restaurante para se aperfeiçoar como foodie, ou louco por comida, nem chegou perto disso. Foi convidado por Bannon para integrar o governo Trump, na conturbadíssima área de Segurança Nacional.

    Surpreendentemente, deu-se bem com Trump. Mas é claro que durou pouco. Voltou para a academia e aos longos, provocativos e algo exóticos artigos onde continua a apoiar Trump e a defender uma espécie de neonacionalismo.

    Nada, obviamente, que se compare aos bons e rápidos tempos de governo, quando chegou a ser comparado a Carl Schmitt, o “jurista do nazismo”. Xingar o adversário de nazista virou praticamente um lugar comum que, de tão repetido, perdeu a força.

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    “Uma das grandes ironias é que Donald Trump é em muitos aspectos o presidente republicano mais liberal em muitas gerações e, no entanto, é o mais frequentemente comparado a Hitler”, fulminou ele recentemente de seu cantinho acadêmico.

    “Mas isso diz menos sobre Trump do que sobre a esquerda moderna, para a qual tudo e todos milimetricamente à direita é ‘literalmente Hitler’.”

    Na inflamada biosfera política atual, eleição passa, mas a febre alta continua.

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