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Onze de Setembro: vinte anos depois, os mortos continuam a falar

A passagem do tempo cicatrizou o trauma da perda súbita de tantas vidas, mas apanhado dos últimos momentos das vítimas ainda dá voz aos que se foram

Por Vilma Gryzinski 6 set 2021, 08h39

“Estamos ligando para famílias e amigos para dizer que está tudo bem”. Pausa. “As pessoas estão pulando das janelas. Tenho que ir”. 

As últimas palavras daqueles que iam morrer são notavelmente parecidas: tentam acalmar os parentes e, quase sem querer, resumem o horror que se desenrolava inexoravelmente rumo à tragédia nas Torres Gêmeas e nos aviões sequestrados pelas quatro equipes de terroristas do Onze de Setembro.

Depois de vinte anos, é natural que as lembranças já tenham se acomodado. Mas as vítimas continuam a ter voz, seja pela lembrança de seus entes queridos, seja pelas mensagens gravadas que deixaram.

Lembrar os atentados que fizeram quase três mil mortos através dessas palavras derradeiras de certa forma reafirma sua humanidade.

As frases mencionadas na abertura foram de Michael Murphy, que trabalhava como corretor numa firma no 84º andar da Torre Sul, a segunda a ser atingida, rasgada pelo avião da United Airlines, voo 175.  

Mohamed Atta, o arquiteto egípcio formado na Alemanha que foi a cabeça operacional dos times terroristas mandados pela Al Qaeda, já havia pulverizado o avião da American Airlines, voo 11, contra a Torre Norte.

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Menos de uma hora antes, Atta transpirava muito e três dos quatro sauditas que o acompanharam no embarque de Portland para Boston, para o voo bem no começo da manhã de 11 de setembro de 2001, chegaram a ser separados para ter a bagagem checada no raio X – era o último dia de uma era em que nem todas as malas passavam pela inspeção. Foram liberados.

Quinze minutos depois de levantar voo, Atta e comparsas iniciaram o sequestro pela primeira classe. Disseram que tinham uma bomba para encurralar os passageiros no fundo do avião e espalharam gás lacrimogêneo do tipo usado em sprays para autoproteção. Um passageiro que tentou intervir, Daniel Lewin, com formação em operações especiais em Israel, foi degolado.

“Acho que estamos sendo sequestrados”, sussurrou a comissária de bordo Betty Ong, refugiada nos fundos do avião, de onde conseguiu ligar para a sede da American Airlines. “A cabine não está respondendo. Alguém foi esfaqueado na executiva e acho que tem gás, não conseguimos respirar”.

O telefonema de Betty Ong seria o primeiro relato direto da sequência de ataques suicidas que durou apenas uma hora e quarenta minutos.

Outra comissária, Amy Sweeney, havia conseguido contatar o gerente de embarque Michael Woodward. Deixaria uma descrição terrível dos minutos finais.

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“Tem alguma coisa errada, estamos em descida rápida”, avisou. O gerente pede que ela descreva o que está vendo, para ajudar na localização.

“Vejo água, vejo prédios. Estamos voando muito, muito baixo”.

“Ah, meu Deus. Estamos baixo demais”.

Foi a última comunicação antes do Boeing 767 entrar na Torre Norte. O impacto foi tão grande que o enorme monólito de aço, concreto e vidro se inclinou ligeiramente e depois voltou à posição vertical. A bola de fogo criada pela explosão de dez mil galões de combustível seria uma das imagens indeléveis daquele dia,

Em poucos minutos, o incêndio provocado pela combustível leva pessoas desesperadas a se jogar pelas janelas.

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Os corpos que começam a cair são um tema recorrente dos que estão presos na parte superior do arranha-céu.

“Estava na janela e, por Deus, não sei se as pessoas estão caindo ou estão pulando, mas vi gente saltando para a morte”, descreve o corretor Stephen Mulderry para o irmão Peter, que, como começava a acontecer com o resto do mundo, assistia pela televisão as primeiras e impressionantes cenas do prédio atingido.

A realidade é tão chocante que a ficha demora a cair. O próprio Stephen acha que pode continuar com a rotina normal. “Tenho que ir”, diz ao irmão, segundo reconstituição minuto a minuto feita pelo jornalista britânico Jonathan Mayo. ”O mercado já vai abrir”.

Quando viu o tamanho do desastre, Stephen Mulderry tentou subir até a cobertura do prédio. Ainda falou com o irmão que iria esperar pelos bombeiros. Não sobreviveu.

Eram muitos corpos caindo, muito mais do que foi mostrado nas cenas filmadas à distância. “Tem que ser rápido”, disse o bombeiro Daniel Suhr para o colega Paul Conlon quando os dois estavam para atravessar o pátio até o posto de comando improvisado no lobby da Torre Sul. 

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Foram suas últimas palavras antes de ser atingido pelo corpo de uma das vítimas que saltaram das janelas, fugindo do fogo infernal. Suhr se tornou o primeiro dos 343 bombeiros que morreriam naquele dia.

As últimas palavras de Barbara Olson para o marido, Ted Olson, que ocupava um cargo similar ao de advogado-geral da União no governo de George Bush filho, não tinham resposta possível.

“O que é que eu faço?”, perguntou ela ao marido, trancada no banheiro do Boeing 757 da American Airlines que havia sido sequestrado logo depois de decolar de Washington, fazendo uma meia volta.

Antes da pergunta final, ela contou que todos os passageiros e tripulantes, incluindo os pilotos, tinham sido mandados para o fundo do avião pelos sequestradores. Eles levavam estiletes e facas.

Barbara, comentarista da CNN, não deveria estar naquele fatídico voo 77. Tinha resolvido fazer a viagem para passar com o marido o dia do aniversário dele.

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O avião com 58 passageiros e seis tripulantes foi lançado contra o Pentágono, abrindo uma fenda fumegante no enorme complexo de cinco lados, o coração do poderio bélico americano.

Outro prédio de grande importância simbólica, o Capitólio, sede do Congresso americano, deveria ter sido atingido pelo único avião sequestrado que não chegou a seu destino, o da United que fazia o voo 93.

Pelas muitas reconstituições posteriores, passageiros que já tinham ficado sabendo dos outros atentados tentaram tomar a cabine de comando onde o avião era pilotado chefe da operação terrorista, o libanês Ziad Jarrah, que havia estudado engenharia aeroespacial em Hamburgo. 

Sabiam que iam morrer de qualquer maneira. Como foi o último avião sequestrado, houve mais contatos por celular, reconstituídos em filmes e documentários que traçam um retrato heroico dos passageiros que preferiram morrer lutando.

Num dos momentos mais pungentes, Todd Beamer, gerente de contabilidade da Oracle em viagem de negócios, pede para Lisa Jefferson, supervisora de atendimento ao cliente da operadora Verizon em Chicago, a pessoa que ele havia conseguido contactar:

“Lisa, você rezaria o Pai Nosso comigo?”.

Muito será dito nos próximos dias, inclusive sobre as consequências do Onze de Setembro, revividas agora com a retirada do Afeganistão e a volta do Talibã ao poder. Mas a angústia das últimas palavras dos que morreram naquele dia continua a pintar o quadro mais humano do desastre cujas dimensões históricas continuam a se desenrolar.

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