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O ministro da Saúde que contaminou o governo de Israel

Seguidores do judaísmo ultraortodoxo são os mais atingidos pelo “vírus que mata judeus” e um líder e ministro não seguiu as próprias regras de isolamento

Por Vilma Gryzinski
5 abr 2020, 07h56
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  • A próxima quarta-feira será um dia decisivo em Israel. Começa a Páscoa judaica, ou Pessach, o feriado religioso mais importante.

    No meio da epidemia, pode ser também o mais letal.

    Para os judeus religiosos, e mesmo aqueles que só seguem a tradição uma vez por ano para não desagradar pais ou avós, tudo o que acontece durante o Pessach está proibido: refeições em família, orações coletivas na sinagoga e uma semana de jejum, culminando no jantar pascal.

    Para os judeus ultraortodoxos, aqueles que praticamente só se dedicam à religião, a situação é mais complicada ainda.

    Por motivos comportamentais, de vida comum e muito próxima de orações e estudos do Talmude, o novo coronavírus explodiu em suas comunidades, tanto em Israel quanto nos Estados Unidos e na Inglaterra.

    Problema adicional: por motivos políticos, o partido que representa judeus ultraortodoxos de origem europeia, o Agudat Israel, tem muita influência na formação sempre apertada de governos de coalizão.

    Seu líder, Yaakov Litzman, ganhou o Ministério da Saúde na repartição de cargos que faz parte do parlamentarismo (conhecida no Brasil como presidencialismo de coalizão).

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    Segue uma dinastia – é exatamente essa a palavra – de ultraortodoxos, ou hassídicos, que nasceu na Polônia, foi quase exterminada durante o genocídio nazista e lançou ramos remanescentes nos Estados Unidos e Israel.

    Como em outros países, a eclosão catastrófica da pandemia alimentou ou acirrou rivalidades políticas já existentes.

    A tensão entre ultraortodoxos e outras correntes quase virou guerra.

    Litzman seguiu as orientações do governo e seu ministério recomendou o isolamento social.

    Mas ele próprio continuou indo à sinagoga. Na última quarta-feira, ele e a mulher deram positivo, obrigando praticamente toda a cúpula do governo, incluindo o diretor do Mossad, a ir para a quarentena.

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    O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que está a ponto de formar um governo de união nacional como o líder oposicionista Benny Gantz, mal havia saído de uma semana de afastamento, por causa de um assessor positivo, e teve que voltar.

    “Ele pôs as nossas vidas em risco”, reclamou um ministro, anonimamente.

    No início, a epidemia explodiu nas comunidades ultraortodoxas. Em Nova Jersey, o primeiro caso veio delas.

    Na Inglaterra, 20% da primeira onda de infectados era de haredim, daí os murmúrios sobre o “vírus que mata judeus” – por motivos óbvios, especialmente perigosos.

    Ele formam apenas 0,3 da população, concentrados na maioria em alguns bairros de Londres. Ternos e chapéus pretos, barbas longas e os cintos franjados, ou tzizit. No sabá e feriados religiosos, usam chapéus de pele com formatos variados, segundo a linha que seguem.

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    Em Israel, o novo coronavírus explodiu em cidades e bairros que são quase que exclusivamente habitados pelos ultraortodoxos.

    Em Bnei Brak, perto de Telavive, o índice de contágio foi calculado, extraorficialmente, em 38%. A cidade foi declarada “zona restrita” e as barreiras estão sendo vigiadas pela polícia e o exército.

    Em situações normais, ultraortodoxos mais radicais entram em choque com a polícia quando fazem manifestações em locais proibidos. Querem parar todo o trânsito durante o sabá, separar mulheres e homens em veículos públicos e, principalmente, manter a isenção do serviço militar obrigatório para todos os israelenses.

    São detestados pelos israelenses não praticantes e mesmo os religiosos de outra orientação.

    O ministro da Defesa, Naftali Bennett, ultrassionista da linha “kipá de tricô” (religioso nacionalista), propôs simplesmente que sua pasta assuma o comando do combate ao coronavírus.

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    O Ministério da Saúde e seu chefe, Litzman, que está rezando “para que o Messias chegue antes da Páscoa e nos redima dos pecados do mundo”, iriam para segundo plano.

    Bennett também não é nada ortodoxo na campanha contra o corona: propôs que idosos e debilitados fossem totalmente isolados, enquanto os mais jovens seguiriam trabalhando para não quebrar o pais.

    Agora, diz que Israel está em “guerra biológica com a natureza” e somente os recursos “colossais” das forças de defesa, conhecidas como IDF, darão conta.

    “Se queremos fazer frente a isso, se queremos reabrir a economia, então toda a responsabilidade para administrar a crise, de A a Z, tem que ser transferida para o IDF e o Ministério da Defesa o mais rapidamente possível”.

    Bennett fez uma comparação: “Não deixaríamos um geólogo comandar a operação de resgate de um terremoto”.

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    “Estamos numa guerra como nunca vimos antes”.

    A situação está muito, muito complicada para todo mundo. As características únicas de Israel criam complicações adicionais.

    Mas as discussões, as brigas políticas e até a maluquice de um ministro que descumpre os próprios regulamentos são muito parecidas.

    Na Inglaterra, o primeiro-ministro, o ministro da Saúde e até o príncipe herdeiro já tiveram o corona. Só Boris Johnson continuava em quarentena, por causa da febre (sua companheira, grávida, estava em recuperação).

    Nas poucas ocasiões em que apareceu, Boris Johnson tinha aparência abatida e olhos encovados.

    A Páscoa judaica, que o cristianismo reconfigurou magnificamente como a ressurreição de Cristo, evoca a libertação do cativeiro dos judeus escravizados no Egito.

    Nesse momento, ainda estamos mais para a fase das pragas, inclusive a das dissenções políticas. Algumas quase inacreditáveis, como a do ministro que, por motivos religiosos, chegou perto de quebrar o governo de Israel numa hora tão grave.

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