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Por Vilma Gryzinski
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O mais famoso dos ateus, Richard Dawkins, diz preferir cristianismo a Islã

Ele não mudou de opinião nem abraçou a religião, como fez a escritora Ayann Hirsi Ali, mas se definiu como “cristão cultural”

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 abr 2024, 07h42 - Publicado em 4 abr 2024, 06h49

O autor de Deus, um Delírio, o biólogo Richard Dawkins, fez durante muito tempo exatamente o que o título do seu livro mais famoso prometeu: desconstruiu com argumentos científicos e lógicos a ideia de um Deus criador.

Entrou na moda, virou um dos grandes nomes do Novo Ateísmo e consumou um movimento já de séculos de defesa da ciência como a explicação suprema de tudo. A mais famosa de suas frases dizia: “O universo que observamos tem exatamente as propriedades que, no fundo, esperaríamos, não tem design, não tem propósito, não tem mal, não tem bem, nada, a não ser indiferença cega e impiedosa”.

O jornalista e autor Christopher Hitchens e o gênio da física Stephen Hawkins contribuíram com argumentos poderosos, coincidentes com um momento em que, depois das elites intelectuais, o ateísmo se propagou nas sociedades avançadas por outras camadas a ponto de encolher visivelmente. Em 2021, pela primeira vez o censo detectou na Inglaterra que menos da metade da população se declarava cristã. As igrejas vazias da Europa retratam esse imenso refluxo, uma transformação de dimensões existenciais.

Ver essa retração afeta todos os que se declaram “cristãos culturais”, uma definição que agora Dawkins encampou. O autor, nascido na Igreja Anglicana, não mudou de lado em relação à fé, mas não fica nada satisfeito com as alternativas ao cristianismo.

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“Não ficaria feliz se, por exemplo, perdêssemos nossas catedrais e nossas belas igrejas paroquiais”, disse ele numa entrevista que agitou as águas em meios intelectuais, principalmente por ter dito que, entre o cristianismo e o Islã, ficaria com o primeiro, com seus princípios “decentes”. A religião revelada a Maomé, segundo os fieis, reserva um péssimo tratamento às mulheres, disse.

“Existe uma hostilidade ativa às mulheres nos livros santos. As doutrinas são fundamentalmente hostis a mulheres, a gays”, afirmou – abrindo, obrigatoriamente, a ressalva para os muçulmanos que não se comportam assim.

RETROCESSO CIVILIZATÓRIO

Ele também se arrepiou com o que aconteceu em Londres, onde o prefeito é Sadiq Khan, político trabalhista de origem paquistanesa. Khan enfeitou a cidade com luzes comemorativas do Ramadã, o mês santo muçulmano, e ignorou a Páscoa. O mais importante dia santo cristão foi simplesmente apagado do mapa.

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É um sinal de que, em lugar de uma época iluminada pela ciência, a decadência do cristianismo pode trazer efeitos indesejados mesmo para aqueles que não são crentes. Sem o edifício erguido sobre a criação divina e a semelhança do homem com Deus, abrem-se portas para alternativas em que a vida humana é desvalorizada, desde o aborto de crianças com exceções genéticas até o suicídio assistido pelo Estado para quem tem depressão ou simplesmente se acha cansado da vida.

A maioria das pessoas concorda que os doentes terminais devem ter o direito de apressar um fim inevitável, mas recomendar a eutanásia para quem é pobre ou sem-teto, como já aconteceu no Canadá, soa como um retrocesso civilizatório.

As religiões laicas também trazem intolerância, como o fanatismo de militantes ambientalistas que atacam obras de arte e a insensatez de quem pretende abolir as diferenças biológicas entre mulheres e mulheres trans – obviamente, reconhecer as diferenças não deve significar discriminação.

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“Não é preciso ter o cérebro de um biólogo evolutivo para entender que o Novo Ateísmo errou em seu diagnóstico do que se seguiria ao declínio da religião”, escreveu no Telegraph a colunista Madeline Grant. “O mundo racional que nos prometeram não se materializou e em seu lugar um mundo mais desagradável e menos racional está substituindo o que existia antes”.

FOGO DO INFERNO

A trajetória de Richard Dawkins ainda está muito longe da seguida pela escritora Ayaan Hirsi Ali, a somaliana que entrou em contato com o fundamentalismo muçulmano quando ainda era uma refugiada adolescente no Quênia e depois foi morar na Holanda. Eventualmente, teve que deixar um dos países mais tolerantes do planeta depois de denunciar raízes fanáticas da sua religião muçulmana.

Ela conta que abraçou o ateísmo depois de ler o famoso ensaio de Bertrand Russell, um marco escrito em 1927 sob o título Por Que Eu Não Sou Cristão.

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“Foi um alívio adotar uma atitude de ceticismo em relação à doutrina religiosa, descartar minha fé em Deus e declarar que esta entidade nunca havia existido. A afirmação de Russell de que a religião é baseada primariamente no medo encontrou eco em mim. Tinha abandonado todos os motivos racionais para crer em Deus, mas ainda tinha um medo irracional do fogo do inferno”, escreveu ela.

A nova atéia foi morar nos Estados Unidos para fugir das ameaças de morte na Holanda (muito concretas depois que o diretor de um documentário feito com ela, Theo van Gogh, foi assassinado por um extremista islamista). Casou-se com o historiador escocês Niall Ferguson, um dos raros da categoria que não são de esquerda, e construiu uma nova carreira.

Em novembro do ano passado, escreveu um artigo parafraseando Bertrand Russell: Por Que Agora Sou Cristã.

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DOUTRINA FRACA

Assim descreveu os motivos: “A civilização ocidental está ameaçada por três forças diferentes, mas relacionadas entre si. São o ressurgimento do autoritarismo e do expansionismo de grandes potências sob a forma do Partido Comunista Chinês e da Rússia de Vladimir Putin; a ascensão do islamismo global, que ameaça mobilizar uma vasta população contra o ocidente, e a disseminação viral da ideologia woke, que está corroendo a fibra moral da próxima geração”.

“O ateísmo é uma doutrina fraca e divisionista demais para nos fortalecer contra essa ameaça. Não pode nos equipar para a guerra das civilizações”.

“A lição que aprendi durante meus anos com a Irmandade Muçulmana foi o poder de uma narrativa unificadora de atrair, arrebatar e mobilizar as massas muçulmanas. A não ser que consigamos oferecer algo de significado à altura, temo que a erosão de nossa civilização continue”.

Talvez Richard Dawkins não tenha tido coragem de chegar tão longe, talvez só tenha uma memória afetiva dos “hinos religiosos e cânticos de Natal”, como disse, e por isso se considere cristão cultural. E talvez nunca tenha sentido o desejo de “amparo espiritual” proporcionado pela religião que Ayaan Hirsi Ali menciona como outro motivo de sua conversão ao cristianismo.

Mas quem diria que questões assim ainda fossem assunto em meios intelectuais em 2024?

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