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O Chile é um país diferente, com um presidente esquerdista diferente

Lula menospreza Gabriel Boric, mas ele representa uma alternativa ao populismo bolivariano e os chilenos sempre surpreendem com viradas políticas

Por Vilma Gryzinski 20 jul 2023, 08h49

A definição já entrou para o festival de absurdos que se repete diariamente. “É um jovem sequioso e mais apressado”, disse Lula da Silva, dando uma de estadista experimentado diante do presidente chileno, Gabriel Boric, de 37 anos, menos do que todos os filhos do presidente brasileiro, atribuindo sua insistência em condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia na cúpula latino-americana com a União Europeia à “falta de costume de participar dessas reuniões”.

Para esclarecer: Boric é de extrema esquerda e se deslumbra diante de Lula (“muito respeito, carinho” etc). Mas também defende posições corretas em relação à guerra da Ucrânia e às escandalosas tiranias implantadas na Venezuela e na Nicarágua. Nisso, compartilha o discurso claro e sem “mas, porém, todavia, contudo” com o presidente direitista do Uruguai, Luis Lacalle Pou, outro valente que não se deixa intimidar pelos vizinhos loucos para, escandalosamente, desculpar os abusos bolivarianos.

É uma vergonha, para todo o Brasil, ver os rapapés feitos a chavistas como Nicolau Maduro e neoimperialistas como Vladimir Putin, atribuindo à imaturidade um alerta racional como o feito por Boric: “Caros colegas, hoje é a Ucrânia e amanhã pode ser qualquer um de nós”.

As posições fora da linha boliviariana fazem parte da “excepcionalidade” chilena, um país onde a população tende a tomar decisões surpreendentes e até contraditórias.

A própria eleição de Boric, que se declarou à esquerda do Partido Comunista, foi um exemplo disso. Quase que imediatamente, a maioria parece ter se arrependido. O projeto de constituição ultraesquerdista foi fragorosamente derrotado nas urnas. Em vez de colocar a culpa nos neofascistas, a serem extirpados a doce linguagem incorporada ao vocabulário corrente, Boric assumiu que o povo não queria o projeto que ele defendia e prometeu tentar fazer melhor.

Boric foi eleito quase que como uma consequência de uma espécie de surto nacional, manifestações violentas voltadas contra um presidente de direita, Sebastián Piñera, que parecia estar a um passo de conseguir a promoção do país a um nível mais elevado de desenvolvimento. Como bom esquerdista, o presidente atual quer desmanchar tudo e substituir o “modelo neoliberal” por um novo sistema. Mas lida com um país complexo – e, espantosamente, parece respeitar isso.

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Um exemplo: uma pesquisa feita em maio, mostrou que 36% dos chilenos têm uma imagem positiva do regime militar altamente repressivo instaurado pelas Forças Armadas, com o general Augusto Pinochet no comando. “É o único ditador ocidental da história contemporânea com mais de 30% de aprovação”, lamentou a diretora do instituto de fez a pesquisa, Maria Lagos. Possivelmente, ele não considere o Brasil parte do mundo ocidental ou talvez não tenhamos uma pesquisa com resultados tão claros – sem contar que o regime militar brasileiro não se “personalizou” numa única figura, à maneira de Pinochet, e manteve o ritual da eleição de sucessivos generais-presidentes por um Congresso controlado.

Outro levantamento deu um número menor: 27% de aprovação ao regime militar. Mesmo assim, mais do que os 23% dados ao catastrófico governo de Salvador Allende, que solapou a democracia, aproximou-se do modelo cubano e provocou um caos tão disseminado e politicamente suicida que abriu as portas à ditadura militar.

O golpe vai completar cinquenta anos no próximo 11 de setembro e 71% dos chilenos usam a expressão certa para descrevê-lo, “golpe de estado”. Mas 26% optam por “quebra institucional”. Apenas 56% preferem denominar o regime militar de “ditadura” e 41% dizem “governo militar”.

São respostas complexas que mostram um país complexo, notavelmente bem sucedido ao fazer a transição para a democracia com um grande acordo nacional entre os partidos tradicionais de centro e esquerda. E isso só foi possível porque Pinochet, plenamente certo de que tinha o apoio maciço da população, convocou o plebiscito de 1988 – e, mais importante, aceitou seu resultado.

O acordo pós-ditadura propiciou não só a redemocratização pacífica como conquistas econômicas. O PIB chileno em 1988, o ano em que Pinochet se autoimplodiu, era de 26 bilhões de dólares e no ano passado foi de 508 bilhões.

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A forte tradição de esquerda nas universidades e meios intelectuais alimentou, mais não foi a única fonte, os protestos que eclodiram em 2019 e foram até 2020, abalando seriamente a imagem do Chile como um país seguro, estável e confiável para investimentos. A mesma desgraça que acomete outros países latino-americanos – uma economia com uma massa de pobres que evolui pouco para melhorar de renda – mostrou que a realidade não era tão positiva assim.

Ao mesmo tempo, Boric não está sendo nada convincente em doutrinar a população para a mudança de modelo. Ao contrário, ele tem apenas 28% de aprovação e o conselho constitucional eleito para o novo projeto tem maioria de representantes da direita.

Um exemplo: o Partido Republicano de José Antonio Kast, o empresário que perdeu a eleição presidencial para Boric, propôs que fique proibido estabelecer impostos sobre o patrimônio, a isenção tributária para todas as residências primárias, lei de responsabilidade fiscal para o governo e que o Banco Central seja responsável pela “estabilidade da moeda”, não a “estabilidade de preços”, como no projeto rejeitado.

Dá para ver que é exatamente o oposto do que está sendo feito pelo governo do presidente que menospreza o “jovem sequioso”.

Gabriel Boric, com suas tatuagens nos braços e a eliminação do uso de gravata em compromissos públicos, pode ser considerado politicamente derrotado desde já – excetuando-se outra guinada, das muitas que os chilenos se especializaram em dar.

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Moralmente, ao não endossar as ditaduras ao estilo chavista nem a invasão neoimperialista da Ucrânia, é um vencedor. E talvez esteja lançando sementes que um dia frutificarão na retrógrada esquerda latino-americana.

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