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Por Vilma Gryzinski
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Numa situação crítica, por que o Egito não aceita refugiados de Gaza?

País árabe tem dois muros para manter palestinos à distância e já inundou túneis com água do mar, em sinal de relação tumultuada

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 fev 2024, 06h30 - Publicado em 13 fev 2024, 06h25

Nada é simples no Oriente Médio e quem faz discursos sem entender isso acaba passando recibo de ingenuidade – quando não de má fé. Veja-se, por exemplo, a situação do Egito. Pela lógica simples, por que o país não abre a fronteira de doze quilômetros para abrigar, mesmo que apenas temporariamente, os irmãos árabes de Gaza, agora confrontados com a terrível perspectiva de perderem Rafah, a última região onde pode se refugiar dos bombardeios de Israel?

A resposta oficial é que o Egito não se dobra às tentativas israelenses de se livrar de uma parte dos palestinos de Gaza, o que contribuiria para enfraquecer a causa nacionalista.

A razão não-oficial é muito mais complicada. O atual governo do Egito, um regime autoritário comandado por Abdel Fattah al-Sisi, um general da reserva (na verdade, marechal de campo foi sua patente final, obviamente auconferida), não quer saber de “importar” a instabilidade que, historicamente, acompanha as trajetórias dos palestinos pelo mundo árabe. Sem contar o amplo apoio da população de Gaza ao Hamas, um movimento fundamentalista inspirado nos princípios extremistas da Irmandade Muçulmana.

A Irmandade nasceu no Egito e conseguiu chegar ao poder na esteira da Primavera Árabe. O golpe militar de Sisi em 2013, representando a ideologia contrária, do nacionalismo militar, acabou com a experiência. Mas não, obviamente, com o risco fundamentalista. A proximidade territorial com Gaza aumenta este risco.

“CHEGA DE PALESTINOS”

O regime egípcio sabe muito bem jogar várias cartas em mesas diferentes. Faz intermediação nas negociações indiretas entre Israel e Hamas, juntamente com o Catar – outra rodada começa hoje no Cairo -; condena peremptoriamente as operações em Gaza e até ameaça romper o acordo de paz de 1978 com os israelenses.

Atende assim a opinião pública, esmagadoramente contrária a Israel.

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Simultaneamente ao jogo astuto para a plateia, a fronteira continua fechada para os palestinos de um território que foi do Egito durante 350 anos.

Detalhe: nessa fronteira, que tem uma única passagem, a de Rafah, estendem-se dois muros. O segundo deles, uma barreira que entra dezoito metros abaixo da superfície Como só pessoas podiam passar antes da guerra, sob controle estrito, o Hamas estendeu sua rede de túneis para contrabandear mercadorias e armas. O Egito já chegou a inundar esses túneis com água do mar, uma possibilidade que Israel estudou na atual guerra.

As tensões entre o nacionalismo das Forças Armadas, o fundamentalismo islâmico e o ativismo palestino têm uma longa história. O momento mais dramático foi o assassinato de Anuar Sadat, o presidente que havia espantado ao mundo ao ir a Israel, discursar no Knesset, o parlamento israelense, e depois assinar um acordo de paz.

Sadat foi morto em 1981, durante um desfile militar. Os quatro assassinos eram fundamentalistas infiltrados nas Forças Armadas e estavam dentro de um caminhão que participava do desfile.

A grandeza do magnicídio acabou ofuscando outro assassinato político, o do ministro da Cultura, jornalista e escritor Yousseff al-Sebai, morto em 1978 no saguão de um hotel de Chipre quando acompanhava Sadat numa visita oficial. Os terroristas, ligados ao grupo palestino liderado por Abu Nidal, em seguida sequestraram um avião e tentaram sair da ilha, sendo atacados por um comando egípcio que desembarcou em Chipre sem autorização do governo do país. Quinze foram mortos na rocambolesca abordagem ao avião sequestrado.

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No enterro de Sebai, multidões entoavam: “Chega de palestinos”.

TRAJETO DE VOLTA

O episódio ilustra a complexa história da diáspora palestina. Por tentarem tomar o poder e até assassinar o rei da Jordânia, Hussein, pai do atual monarca, cerca de vinte mil combatentes da OLP, mas também refugiados civis, foram expulsos do país no “setembro negro” de 1970 (a expressão virou nome de outro grupo terrorista). No Líbano, os militantes palestinos ajudaram a desencadear a horrenda guerra civil cujos efeitos sobre a fragmentação sectária do país são sentidos até hoje.

A maior expulsão em massa de palestinos aconteceu em 1991 no Kuwait liberado pela bem sucedida intervenção militar americana. Numa de suas muitas apostas erradas, Yasser Arafat, o líder da OLP, havia apoiado a invasão, imaginando que Saddam Hussein tinha tudo garantido. Moradores kuwaitianos testemunharam multidões de palestinos, instalados há anos no país, saindo às ruas para saudar os invasores, inclusive mulheres ululando na tradicional maneira árabe.

Logo depois da libertação do Kuwait, começou a expulsão de quase 300 mil palestinos, um trauma pouco conhecido.

Agora, o foco está em Rafah, com mais de um milhão de pessoas, entre locais e deslocados, esperando a ofensiva final de Israel. O presidente Joe Biden já disse que a ofensiva não deve seguir adiante “sem um plano viável para proteger” a população civil. O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, disse que essa população “não tem para onde ir” e Israel deveria “parar e pensar a sério” antes de avançar sobre Rafah. Estes são os maiores sustentáculos de Israel.

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Seria menos trágico se o Egito abrisse a fronteira e abrigasse essa massa humana, mesmo que numa área isolada e com garantias do trajeto de volta. Infelizmente, não deve acontecer.

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