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Por Vilma Gryzinski
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Modi: o homem que não vai dar as vacinas indianas para ninguém

A Índia é um gigante da indústria farmacêutica e isso contou pontos na hora em que o primeiro-ministro proibiu a venda dos imunizantes feitos no país

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 5 jan 2021, 09h18 - Publicado em 5 jan 2021, 08h15

Quem acha que tem líderes nacionalistas da boca para fora, geralmente por causa de patriotadas inconsequentes, não sabe o que é um verdadeiro representante da espécie do tipo Narendra Modi.

O primeiro-ministro do país chamado de “farmácia do mundo”, pela enorme produção de medicamentos, não está no ramo da benemerência nem quer fazer “diplomacia da vacina” como a China.

Aliás, não parece querer diplomacia nenhuma que envolva a pandemia.

A vacina de Oxford e da AstraZeneca foi aprovada emergencialmente no domingo pelas autoridades indianas e teve sua exportação proibida pelo governo menos de 24 horas depois.

“Só podemos dar para o governo indiano”, resumiu Adar Poonenawalla, presidente do maior fabricante de vacinas do mundo, o Serum Institute of India – o inglês é a língua franca no país, com seus estonteantes 19.500 idiomas e dialetos falados por 1,3 bilhão de pessoas.

Lá se foi, pelo menos por enquanto, o acordo com a “aliança dos pobres”, o COVAX, criada pela Organização Mundial de Saúde, para proporcionar vacinas aos países que têm menos condições de competir.

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A AstraZeneca tinha contratado o Serum Institute para fornecer um bilhão de doses para países mais pobres.

O Serum Institute também estava para assinar um novo acordo de fornecimento de 300 a 400 milhões de doses para o COVAX. Nenhuma menção aos dois milhões de doses que pingariam no Brasil.

Detalhe: a venda para instituições particulares também foi proibida.

Vacina feita na Índia, só para os indianos.

Apesar das dimensões populacionais do país, a Índia tem um número comparativamente moderado de 150 mil mortes por Covid-19.

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Em termos absolutos, fica em terceiro lugar, depois dos Estados Unidos e do Brasil. Em mortes por milhão de habitantes, são 108, um décimo do índice de países desenvolvidos como França e Inglaterra.

A Índia detém 20% do mercado mundial de genéricos e fornece 60% das vacinas em geral. O baixo custo da mão de obra e a alta flexibilidade com detalhes como patentes, depois atenuada, impulsionaram o extraordinário desenvolvimento da indústria farmacêutica indiana.

Além da aprovação ao produto Oxford/AstraZeneca, a agência reguladora indiana liberou também a Covaxin, produzida pela Bharat Biotech, em condições excepcionais: a terceira fase de testes ainda está em andamento.

“Nossa vacina é 200% segura”, disse o presidente do laboratório, Krishna Ella, diante de protestos de associações médicas.

O objetivo da aprovação que queima fases é evidente: como qualquer governante, pelo menos dos guiados pela lógica política, o primeiro-ministro Modi quer ser visto como um líder que coloca seu povo acima de tudo.

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Quando esse impulso se soma a um populismo de raiz, os efeitos se multiplicam.

Modi foi uma surpresa que saiu das urnas em 2014, procedente de um partido declaradamente sectarista, ou seja, defensor da predominância dos hinduístas, a religião majoritária (maioria indiana: 960 milhões).

Quem associa o hinduísmo apenas a gurus pacíficos e ascetas espiritualizados – uma vida que o próprio Modi chegou a pensar em seguir na juventude – não sabe como a realidade é diferente.

Com as marcas do passado de submissão a invasores estrangeiros – o Islã vindo da Pérsia e o colonialismo vindo da Inglaterra -, o hinduísmo militante prega uma identidade nacional exclusivista e agressiva.

Foi desse caldo que saiu o militante que assassinou, em 1948, o maior herói nacional, Mahatma Gandhi, considerado excessivamente condescendente com a minoria muçulmana (minoria indiana: hoje, são quase 200 milhões).

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A Índia moderna nasceu justamente de um banho de sangue de proporções épicas. Com a declaração de independência, os hinduístas que fugiam da parte muçulmana que viria a ser o Paquistão, e vice-versa, mergulharam numa sequência de massacres que deixou um milhão de mortos.

A tensões subsistem e eventualmente explodem em dimensões menores. 

O próprio Modi, antes de se tornar primeiro-ministro, não conseguia visto para os Estados Unidos por ser considerado instigador de um episódio de violência sectária: muçulmanos atearam fogo num trem cheio de peregrinos hinduístas, matando 58 pessoas; e os ataques em represália deixaram mil mortos.

Depois de eleito, provocou: “Vou fazer tantos prodígios que todos os americanos vão ficar na fila para conseguir um visto para a Índia”.

A eleição de Modi foi recebida como precursora de um grave recrudescimento dessas tensões entre religiões, mas a tragédia antecipada não aconteceu.

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Modi é imensamente popular e intensamente populista, do tipo que põe seu retrato nos fogões a gás distribuídos à massa de destituídos que subsiste apesar dos extraordinários avanços econômicos do país. 

Culto a personalidade é uma expressão que empalidece quando Modi está envolvido. Em alguns aspectos, lembra a veneração oficial ao vizinho Xi Jinping. Obviamente, com a diferença que a Índia é uma democracia.

A política indiana foi dominada desde a independência pela dinastia iniciada por Jawaharlal Nehru; prosseguida por sua filha, Indira Gandhi, e o filho dela, Rajiv – tanto ele quanto a mãe foram assassinados por motivos sectários, ela por guarda-costas da minoria sikh, ele por rebeldes da etnia tamil.

Modi quebrou essa hegemonia e foi colocado na categoria de fenômenos políticos recentes protagonizados por outsiders. É uma rotulação excessivamente simplista, mas com raízes nos fatos.

Ele é, indubitavelmente, um líder popular que desbanca políticos tradicionais e defende a bandeira da “Índia acima de tudo”. E namasté para todos, mas vacinas primeiro para nós.

PS- Adar Poonawalla, do Serum Institute, desmentiu a si mesmo e disse que as exportações estão autorizadas. Volta tudo ao que era antes.

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