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Minúsculo Catar está na mesa dos adultos no jogo mais arriscado do mundo

Com o poder de pressão que tem sobre o Hamas, a quem financia, o emir Tamim pode definir futuro de reféns — e de todo o Oriente Médio

Por Vilma Gryzinski 25 out 2023, 08h31

Ser dono do Paris Saint-Germain e torcer pelo Vasco da Gama é apenas uma das excentricidades de Tamim Bin Hamad Bin Khalifa Al-Thani, o emir do Catar, um país de míseros 160 quilômetros quadrados, mas todos eles sobre imensas reservas de gás e petróleo.

Essa contradição geopolítica — território minúsculo, combustíveis fósseis com capacidade para mais 600 anos de exploração — é manipulada com incrível habilidade pelo príncipe árabe que deixaria Maquiavel impressionado. Ele se dá bem com o Irã, mantém a liderança no estrangeiro do Hamas na boa vida e manda — quando Israel deixa — o dinheiro vivo que mantém o funcionamento do lado digamos administrativo da organização em Gaza, pagando o salário de 50 mil funcionários. E tem as portas abertas para uma base americana tão importante que é a sede avançada do Comando Central americano, o Centcom, com jurisdição sobre o Oriente Médio, a Ásia Central e parte do Sul da Ásia.

A enorme influência do emir Tamin ficou mais impressionante ainda com a eclosão da guerra de Israel contra o Hamas depois das atrocidades cometidas em 7 de outubro. Foi por intervenção dele que o Hamas soltou quatro reféns, todas mulheres, e pode soltar mais. São mais de 50 pessoas com nacionalidade americana entre os 220 sequestrados pelo grupo terrorista, o que certamente influencia, embora não seja o único motivo, o papel moderador que os Estados Unidos estão exercendo, adiando a invasão de Gaza por terra.

Os dilemas envolvidos são nada menos do que infernais. Sem a invasão por terra, não acontece a eliminação do Hamas, o objetivo impossível fixado por Israel — impossível porque o movimento islamista tem apoio fora das fronteiras de Gaza e por parte da população árabe em território israelense ou ocupado.

Os reféns dão ao Hamas um trunfo incomparável a qualquer outra situação ocorrida antes. Como os Estados Unidos explicariam a morte de cidadãos americanos à sua própria opinião pública? E como Israel faria o mesmo?

Só para dar uma ideia do tamanho do problema: uma pesquisa mostrou que 73% dos americanos apoiam uma operação dos fuzileiros navais para salvar os reféns nacionais. É difícil até dimensionar as consequências de uma intervenção assim.

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Entram aí os interesses do emir do Catar: negociar uma troca de reféns por prisioneiros do Hamas em Israel. Ou a suspensão dos bombardeios. Ou uma mistura de ambos. É uma situação inteiramente nova e de uma natureza extremamente inflamável. Como Israel, em vez de punir, vai soltar responsáveis por atentados anteriores e as atrocidades que mataram 1 400 pessoas?

E como um monarca do Golfo Pérsico, uma categoria abominada pelos jihadistas que querem um califado islâmico em todas as terras muçulmanas, pode ter relações tão boas com militantes que normalmente gostariam de separar a cabeça do corpo de todos seus similares?

O Catar virou assunto durante a Copa do Mundo, um dos lances propagandísticos do príncipe, que investe em futebol para melhorar a imagem do país. Dinheiro não falta: o fundo soberano do emirado tem 450 bilhões de dólares — para uma população de pouco mais de 300 mil cidadãos (os demais, num total de 2,3 milhões, são trabalhadores estrangeiros de todos os níveis).

Outro grande instrumento de soft power é a Al Jazeera, competente porta-voz do emirado e também do Hamas e outras causas islamistas sob uma aparência de profissionalismo. Quem quer saber o que os fundamentalistas pensam, é só ouvi-la. O alinhamento é tanto que Israel fechou a sucursal da emissora em seu território — uma decisão aberta a discussões, pelo menos em países onde não ocorreu a seguinte cena: “Primeiro, eles mataram o marido, arrancaram seus olhos. Deceparam os seios da mulher e cortaram a perna da menina. Essa é a família que vi com meus próprios olhos”. Palavras do socorrista Moshe Melayev.

Como punir quem fez essas abominações, impedir que voltem a acontecer, salvar a população de Gaza das consequências dos crimes do Hamas, não deixar que a retaliação israelense prejudique os próprios interesses do país e não arrastar simpatizantes como o Hezbollah, com o Irã por trás, para o conflito? Além de salvar os reféns?

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O emir Tamin cavou um lugar na mesa das potências que debatem tantas e tão intratáveis questões. Pode ser acusado de muita coisa, mas dificilmente de tremer a mão. Ele derrubou o próprio pai, o xeque Hamad, que estava em viagem à Suíça, em 2013. Tudo sem violência: teve o apoio da família e Hamad abdicou em favor do filho. A mãe, Moza, manteve o acesso ao mais caro e chique figurino tradicional do mundo islâmico, mas baixou o perfil. É a esposa número um de Tamin, do total de três, que o acompanha, raramente, em cerimônias como a coroação do rei Charles.

Perfil alto, hoje, é só o do emir que divide a mesa com americanos e fundamentalistas islâmicos, especializando-se em jogo duplo, triplo ou quádruplo. Deixa muito goleador comendo poeira.

Num momento em que Israel enfrenta tantos ataques e visões distorcidas no campo da diplomacia, sendo o mais destemperado deles o do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o assessor de Segurança Nacional, Tzahi Hagnebi, elogiou no X: “Tenho a satisfação de dizer que o Catar está se transformando num parceiro essencial para intermediar soluções humanitárias. Os esforços diplomáticos do Catar são cruciais nesse momento”.

É nada menos que espantoso.

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