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Por Vilma Gryzinski
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Marrocos x França: se perder, vai ter quebra-quebra; se ganhar, também

Imigrantes e descendentes que odeiam os países onde vivem usam o futebol para dar vazão a sentimentos violentos de rejeição

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 dez 2022, 16h20 - Publicado em 14 dez 2022, 07h41

“Quando você assiste a Rocky, quer torcer por Rocky Balboa. Acho que somos o Rocky dessa Copa do Mundo. Todos estão torcendo por nós.” Dessa maneira, o técnico do Marrocos, Walid Regragui, resumiu o sentimento de muitas pessoas que se identificam com a zebra e realmente estão torcendo pelo time do Norte da África.

Mas o que aconteceria se Rocky Balboa, para comemorar uma vitória ou chorar uma derrota, saísse quebrando bares pela Filadélfia toda? 

E se ele lutasse sob a bandeira da Itália em lugar do pavilhão estrelado dos Estados Unidos?

Seria, obviamente, considerado um traidor da pátria.

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Na França, poucos recorrem a uma comparação assim, com exceção da extrema direita. Mas o sentimento ronda a cabeça de muita gente, até de esquerdistas tradicionais.

Uma unanimidade: nenhum francês estranhou quando imigrantes marroquinos ou descendentes, de primeira, segunda ou mais gerações, comemoraram a vitória sobre a Bélgica com barricadas nas ruas, fogos de artifício contra policiais e quebra-quebra generalizado. A violência aconteceu na própria Bélgica, na Holanda, na Espanha e na França, países onde vivem cerca de 5 milhões de marroquinos.

Este é, tristemente, o retrato da imigração estrangeira – majoritariamente norte-africana e árabe – na Europa. A origem nacional e étnica define as lealdades. E também absurdos como o apoio a extremistas muçulmanos que corre pelas redes sociais quando acontecem atentados graves ou até desastres como o incêndio de Notre-Dame.

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Detalhe: a embriagante euforia com o futebol, plenamente conhecida pelos brasileiros, encheu as ruas do Marrocos de festa – sem nenhum incidente de violência.

É natural que exista um certo sentimento de revanche quando o Marrocos derrota a Espanha ou a Bélgica e, agora, a torcida apaixonada contra a França. O país foi atingido pelo colonialismo tardio, no começo do século XX, sob um regime de “protetorado” francês, com certas regiões sob controle espanhol. Parece inacreditável, hoje, que só tenha conseguido a independência em 1956.

Mas o jogo do colonialismo – ou da conquista pelo mais forte – tem duas mãos. Forças árabes vindas da África do Norte, logo no início da impressionante expansão da então jovem religião muçulmana, invadiram a Península Ibérica e lá continuaram durante nove séculos. Eram os árabes os conquistadores, e os ibéricos – futuramente Portugal e Espanha – os conquistados que viveram durante séculos em condições de maior ou menor inferioridade, dependendo da vontade do sultão andaluz que ocupasse o trono em Granada, onde magníficos palácios e mesquitas foram erguidos sobre igrejas cristãs.

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Depois da Reconquista, aconteceu o oposto. Essa é a história da humanidade e é bom que hoje existam fundamentos livremente acordados entre as nações que não aceitam o uso da força nas relações entre os países, um dos motivos do repúdio à Rússia pela invasão da Ucrânia.

Lembrar um pouco de uma história “complexa”, na definição envergonhada do Washington Post, que segue a regra de que tudo tem que ser visto única e exclusivamente à luz de conceitos e acontecimentos contemporâneos, ajuda a entender movimentos históricos que levaram à situação atual.

Marroquinos, tunisianos e argelinos sofrem discriminação na França? Em alguma medida, embora não em todos os círculos, sem dúvida nenhuma. A França não é um país criado por imigrantes, como o Brasil, a Argentina ou os Estados Unidos.

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Os estrangeiros e descendentes podem estudar, trabalhar, desfrutar dos benefícios de um estado de bem-estar social e, nos casos dos muito talentosos, se destacar?

A própria seleção do Marrocos é uma prova disso. O técnico e mais dois jogadores são franceses (quatro são belgas e outros quatro, holandeses). No total, são doze jogadores nascidos em outros países. No caso oposto, quinze dos 23 jogadores da seleção francesa têm origens familiares na África, do norte ou subsaariana.

Quando torcedores que levam essas nacionalidades no registro, mas não no coração, provocam distúrbios e cometem atos de violência, reforçam também o sentimento de que são “invasores”, corpos estranhos à cultura europeia à qual não se integram e não querem se integrar. É isso, fundamentalmente, que não só alimenta a direita dura como leva intelectuais do porte de Michel Houellebecq a escrever um livro como Submissão. Um pequeno trecho:

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Pode muito bem ser impossível aos que viveram e prosperaram sob um determinado sistema social entender o ponto de vista daqueles que acham que ele não lhes oferece nada e podem contemplar sua destruição sem nenhum pesar”.

É esse o tamanho da encrenca da qual o futebol, como uma representação estilizada da vida, dá apenas uma leve ideia.

“Todo mundo está com medo de uma guerra. Não queremos que a Champs-Elysées seja transformada em campo de batalha”, disse  Jeanne d’Hauteserre, a subprefeita da região onde fica a linda avenida, palco das comemorações do futebol.

A quantidade de forças policiais e até do Exército mobilizadas em Paris mostra que a questão envolve mais do que grupinhos de baderneiros que aproveitam qualquer pretexto para vandalizar – uma atitude comum em vários tipos de manifestações.

A seleção do Marrocos fez uma trajetória valente e inspiradora. Merece ser celebrada, não conspurcada nesta quarta-feira.

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