Israel: o incendiário ultranacionalista Ben Gvir detona governo por dentro
Riscos corridos pelo país são enormes, mas mesmo quando alguma coisa vai bem, ministro radical diz que está tudo mal - e Netanyahu depende dele
Dentro de circunstâncias extremas vividas rotineiramente em Israel, os últimos dez dias foram bons.
O Congresso americano aprovou uma ajuda militar de 17 bilhões de dólares ao país e o governo Biden vetou o reconhecimento de um estado palestino (o da Cisjordânia, não de Gaza) na ONU.
Em coalizão com os Estados Unidos e até com outros países árabes, Israel escapou quase miraculosamente do enxame de drones e mísseis disparados pelo Irã no dia 13. Num ato de contorcionismo militar e político, o governo de Benjamin Netanyahu conseguiu o inevitável – responder ao ataque -, com um bombardeio pontual, detonando o sistema de defesa antiaérea do complexo nuclear de Isfahan. A crise foi contida. Para alívio do resto do mundo, não degenerou para uma guerra de consequências horripilantes.
Quem não gostou nada foi o homem que detém o poder de manter Netanyahu no governo – e sabe muito bem disso. “Frouxa”, tuitou Itamar Ben Gvir sobre a reação israelense.
Ele achava que estava na hora de Israel “partir para a loucura”. E as pressões dos Estados Unidos, que fizeram Netanyahu retroceder de um bombardeio mais nutrido? “Não somos mais uma estrela da bandeira americana”, costuma dizer.
Ben Gvir é da turma chamada em Israel de “kipá de tricô”, ultranacionalistas reunidos sob a bandeira do sionismo religioso, hostis a qualquer concessão territorial aos palestinos em troca de um futuro entendimento – infelizmente, bastante longe da realidade atual.
Já defendeu a a expulsão da população de Gaza e a pena de morte como alternativa para o excesso de população prisional depois do tsunami de detidos que a guerra atual provocou. Mora num dos lugares mais contestados, um assentamento em Hebron, que os judeus chamam de Kiryat Arba. O clima de hostilidade é constante e sua mulher já foi fotografada com uma pistola na cintura do vestido longo, seguindo normas religiosas, durante um encontro com Sarah Netanyahu.
BIOMA CULTURAL
Quem acha que Netanyahu é linha dura levaria um duro choque de realidade se soubesse o que Ben Gvir diz.
O estilo populista e agressivo tem um público, mesmo que minoritário – mas suficiente para eleger os deputados que garantem a maioria ao governo Netanyahu. Muitos são judeus mizrahi, provenientes de países do Oriente Médio, frequentemente inclinados ao radicalismo de direita, decorrente do bioma cultural e da experiência traumatizante de suas famílias. O pai de Ben Gvir era do Iraque, a mãe do Curdistão. Ambos seculares. O filho começou a se inclinar pela mistura sempre volátil de política e religião na adolescência.
Ben Gvir tem o cargo de ministro da Segurança Interna, o que lhe dá controle sobre forças policiais e um palco privilegiado para incendiar uma situação já explosiva – a guerra em Gaza, obscurece, para o público externo, o que acontece na Cisjordânia, com confrontos diários que já deixaram quase 290 mortos.
Israel tem meios excepcionais de vigiar e interceptar combatentes armados, mas uma insurreição popular drenaria forças e ampliaria mais uma frente de conflito.
Para a turma de Ben Gvir, os palestinos jamais aceitarão a existência de Israel e não adianta negociar territórios em troca de uma pacificação impossível. A única alternativa é o uso maciço da força. Para ilustrar suas ideias, ele criticou o general da reserva Benny Gantz, ex-ministro da Defesa e único oposicionista a integrar o gabinete de guerra, como exemplo perfeito das concessões que, em vez de abrir caminho a um entendimento, acabaram levando ao traumatizante ataque de 7 de outubro, com seus 1 200 mortos, o gatilho da guerra – ou guerras – atual.
REALIDADE PARALELA
“A pessoa que prejudicou a segurança do Estado de Israel, que promoveu o conceito de contenção e rendição ao Hamas, trouxe trabalhadores de Gaza, abriu os postos de controle na Cisjordânia, fechou as equipes de reação rápida e recebeu (Mahmoud Abbas, o líder da Autoridade Palestina) em sua casa foi Gantz”, disparou ele. “Na minha opinião, uma pessoa como ele não deveria ter um lugar no gabinete”.
Gantz seria o primeiro-ministro se houvesse eleições hoje, embora Netanyahu esteja diminuindo a diferença, nas pesquisas.
Para onde olhe, quando o gabinete de crise se reúne, Netanyahu vê candidatos a tomar o seu lugar e talvez não fique muito infeliz com as críticas de seu incendiário e circunstancial aliado ao adversário.
Para sorte de Israel, seus adversários também vivem numa espécie de realidade paralela. O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, prevê que Israel deixará de existir em 2040. Ele também acha que a operação em que todos os 350 drones e mísseis foram derrubados foi um sucesso. “O que importa é que o Irã demonstrou sua força de vontade”, disse o aiatolá. Segundo ele, o ataque fracassado “criou uma sensação de esplendor e magnificência em torno do Irã islâmico aos olhos do mundo”.
Ben Gvir não é dessa escola de alucinação, mas em vários aspectos não está muito longe dela. Uma Grande Israel em todos os territórios bíblicos originais sem população árabe também é um desejo altamente irreal, por mais que seus defensores cuspam fogo.