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Por Vilma Gryzinski
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Israel: eleição, religião e espião de Borat na série da Netflix

Briga por causa de judeus ultrarreligiosos, com várias e complicadas correntes, forçou e pode definir as eleições que Benjamin Netanyahu não queria

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 16 set 2019, 08h15 - Publicado em 16 set 2019, 07h46

Não existe votação em Israel sem um período de alta tensão pré-eleitoral.

Dessa vez, foi um novo ataque com drones contra o coração da Arábia Saudita – o petróleo -, com uma linha que leva diretamente ao Irã, o mais poderoso inimigo de Israel.

“É bom ou ruim para Israel?”, é a pergunta que todos os israelenses fazem sobre qualquer acontecimento.

Depende: se os Estados Unidos engrossarem com o Irã, que obviamente nega tudo, é bom. Caso contrário, o Irã sai fortalecido em sua guerra via terceiros – os rebeldes xiitas do Iêmen – e é ruim.

Sem contar as consequências imprevisíveis.

De resto, está tudo mais ou menos normal. Benjamin Netanyahu disse que vai anexar o Vale do Jordão, a principal região palestina ocupada por Israel, em diferentes níveis, fora Jerusalém Oriental e adjacências.

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Fez exatamente a mesma coisa antes da última eleição. E, igualmente, foi a Moscou, num gesto dirigido aos eleitores “russos”, os judeus originários de países da antiga União Soviética.

Vladimir Putin deixou-o plantado por três horas. Nada muito complicado deve ser deduzido disso, considerando-se que ele já deixou até o papa esperando.

Com a eleição de amanhã, Bibi fica ou se ferra, como indicou uma pesquisa interna?

Existe ainda a possibilidade de um resultado indefinido, enrolado e complicado, considerando-se que qualquer dos partidos com chances de ser o mais votado tem que necessariamente fazer alianças para conseguir a maioria, pelo sistema parlamentarista.

À direita, como o partido de Netanyahu, o Likud. Mais à esquerda, como a frente Azul e Branco.

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Foram as concessões a partidos ultrarreligiosos feitas por Bibi para se garantir, tendo saído com uma vitória forte na eleição de abril, que azedaram a coalizão que ele havia armado.

O “russo” Avigdor Liberman rompeu com Netanyahu por causa disso, forçando a nova eleição.

Em vez de ser responsabilizado pela instabilidade que uma nova eleição em menos de cinco meses, além da amolação para os eleitores, Liberman está saindo prestigiado por israelenses ateus, laicos ou simplesmente indiferentes.

Mas todos com pouca ou nenhuma simpatia pelos ultraortodoxos. Ou “maníacos religiosos medievais”, segundo um artigo do esquerdista Haaretz.

Crescei e multiplicai-vos

De modo geral, os ultraortodoxos são conhecidos como haredi, embora estes não sejam os únicos dessa tendência religiosa e a gama seja ampla.

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Motivos da bronca: os ultraortodoxos, com várias exceções, não servem o exército, como é obrigatório para todos os israelenses. Quando servem, não podem nem chegar perto de mulheres.

Têm um monte de filhos, ganham subsídios sociais para ficar só estudando nas yeshivás, as escolas religiosas.

Fazem manifestações contra o serviço militar em locais proibidos, expressamente para se passar por vítimas quando a polícia os arrasta.

Os mais extremistas xingam policiais e soldados, provocativamente, ridicularizando símbolos nacionais.

Também têm poder de determinar quem pode ser considerado israelense, quais os casamentos, separações e conversões válidos, uma vez que não existem registros civis para isso.

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Decisões assim remetem à era da fundação de Israel como estado moderno, quando reconstruir tradições religiosas fazia parte do projeto criado por judeus laicos.

Os ultraortodoxos, provenientes da Polônia, Lituânia, Romênia e outros países da Europa Oriental, onde viviam majoritariamente em vilarejos isolados, haviam sofrido o mais alto índice de extermínio no genocídio promovido pela Alemanha nazista.

Poucas centenas sobreviveram e conseguiram chegar a Israel – inclusive uma minúscula minoria que é antissionista por motivos religiosos.

Em 60 anos, cresceram, multiplicaram-se e, como tantas minorias, organizaram-se em partidos cuja influência crescente é tão detestada pelos que “servem o exército, trabalham e pagam impostos”.

Entre os ultrarreligiosos e os judeus israelenses de forma geral existe ainda uma outra divisão: a dos descendentes das correntes migratórias judaicas provenientes de países europeus e os que vieram de países do Oriente Médio e da Ásia Central.

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Os “árabes” ressentem-se de ser mais pobres, menos instruídos e definitivamente menos influentes do que os ashkenazi.

Duas séries de televisão mostram várias dessas particularidades e diferenças.

Jogo de espionagem

“Mais uma hora de cantoria”, diz o personagem de um dos policiais da espetacular série Our Boys.

A série da HBO conta de forma ficcionalizada uma história terrível: em represália pelo hediondo assassinato de três adolescentes judeus, um desequilibrado ultrarreligioso “marroquino” – como a maioria dos judeus provenientes de países árabes- lidera o igualmente hediondo sequestro de um jovem palestino, queimado vivo.

Os policiais que acompanham os grampos plantados entre os suspeitos são todos ashkenazi, descendentes dos judeus europeus.

Infiltrado na comunidade muito fechada está um policial que conhece os hábitos, as preces e também as cantorias mencionadas – e menosprezadas – pelos colegas para quem tudo aquilo é sinal de ignorância e fanatismo.

É claro que ele também é “marroquino” e daí resultam complicações dramáticas.

Os “marroquinos” são a maioria dos judeus mizrahi, ou orientais, nativos ou descendentes dos cerca de 1,5 milhão de imigrantes, voluntários ou forçados, que vieram dos países árabes do Oriente Médio e do Norte da África (chamados, para complicar, de “árabes”).

A categoria também inclui os procedentes do Irã, Afeganistão e Índia.

Não inclui, para complicar mais ainda, os sefarditas, descendentes dos expulsos da Espanha e de Portugal no século XV.

Espalhados por outros países europeus e o Novo Mundo, inclusive o Brasil, eles também foram para o Oriente Médio, onde impressionaram os mizrahi pelo alto padrão de vida e de instrução.

Os ritos têm aspectos parecidos e todos amam músicas cantadas de forma que soa, para os de fora, como as do flamenco.

Um judeu mizrahi, nascido no Egito, é o personagem da vida real da série protagonizada por Sasha Baron Cohen.

Sem nada do infame Borat e seu horripilante monoquíni verde fluorescente, ele interpreta Eli Cohen na série chamada simplesmente The Spy, O Espião.

Eli Cohen foi recrutado pelo Mossad para ser infiltrado na Síria, num modos operandi muito parecido com o usado pela KGB – a origem russa dos chefes da espionagem israelense fica patente.

Aprendeu a falar árabe, sua língua original no Egito, como os sírios. Foi mandado para a Argentina, onde desenvolveu seu personagem: um negociante sírio bem sucedido chamado Kamel Amin Thaabet.

Lá, conheceu um sírio importante, Amin Al-Hafez. Ficaram amigos, uma relação fundamental para o infiltrado: Hafez subiu na estrutura de segurança. Na série de golpes e contragolpes na Síria dos anos 60, chegou a presidente.

Na pele de Thaabet, o agente infiltrado dava festas para figurões com os destrava-línguas: bebidas e mulheres.

Chegou a ser cogitado como vice-ministro da Defesa. Passava por código informações consideradas vitais para Israel sobreviver e quase inacreditavelmente ganhar a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Só a Síria perdeu 62 aeronaves (fora 339 do Egito, 29 da Jordânia e 23 do Iraque).

Dois anos antes, Eli Cohen já tinha sido detectado, identificado e enforcado.

Mulher ciumenta

Note-se que tanto o espião como seu intérprete têm o mesmo sobrenome, propagado mundo afora pela diáspora dos judeus.

Cohen era a antiga casta sacerdotal. O comediante inglês é de família ashkenazi e ortodoxa. Sua mulher, a atriz Isla Fisher, precisou se converter para poder se casar com ele. O espião era, obviamente, um mizrahi.

O principal partido religioso dos judeus orientais é chamado Shas. O dos ultraortodoxos é o Judaísmo Unificado da Torah.

Ambos são aliados de Netanyahu. Outros partidos, inclusive o de Avigdor Liberman, já excluíram alianças do tipo, o que é raro em Israel.

Benny Gantz, o candidato a substituir Netanayhu (mais pelos defeitos deste do que por qualidades demonstradas na vida política pelo ex-chefe do Estado Maior), viu a vantagem política do momento e aderiu.

Como sempre, ou talvez mais do que habitualmente, o momento político para Netanyahu tem várias desvantagens.

Fora o aumento da indisposição contra os ultrarreligiosos, a lista é longa.

Ações penais por corrupção, a briga com Liberman e a briga com outro partido de direita direitíssima cuja estrela é a matadora Ayelet Shaked.

Mais declarações devastadoras sobre o comportamento da descontrolada Sarah Netanyahu.

“Se o Irã varrer Israel do mapa, será por sua culpa”, disse ela à mulher do milionário americano que tem um jornal aliado de Netanyahu, ao reclamar a publicação de uma foto dela.

Aparentemente, foi Sarah quem gorou a aliança com o partido de Ayelet. Ciumeira, seja qual for a origem, é um elemento adicional no clima pré-eleitoral eternamente turbado.

Só para dar dimensão: Menachem Begin mandou a força aérea israelense bombardear o reator nuclear iraquiano, chamado Osirak, exatamente um dia antes da eleição de 1981.

Estava muito mal colocado nas pesquisas. É claro que ganhou.

E é claro que disse que nunca, jamais “mandaria nossos melhores guerreiros e filhos numa missão tão arriscada e perigosa só para ganhar uma eleição”.

Mais um pouco de dimensão: Begin era um judeu polonês, ashkenazi, portanto, e sionista militante que foi preso, torturado e degredado quando a União Soviética invadiu e partilhou a Polônia em combinação com a Alemanha nazista, há 80 anos.

Na Palestina, como o futuro estado ainda era chamado, tornou-se guerrilheiro e terrorista, com atentados de grande impacto contra os ingleses, a potência encarregada de administrar o território já conflagrado.

Como primeiro-ministro, assinou o acordo de paz com o Egito em 1979 e devolveu o Sinai. Dividiu um Nobel da Paz com Anuar Sadat, o presidente egípcio posteriormente assassinado.

Para quem não gosta de questões complicadas, melhor ficar longe, bem longe de Israel.

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