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Frustração: Macron descobre os perigos de tentar fazer acordo com Putin

Em busca de uma vitória diplomática que revertesse em ganhos eleitorais, o presidente francês sai de Moscou com sanduíche de vento na mão

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 fev 2022, 16h57 - Publicado em 9 fev 2022, 08h07
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  • “Geopolítica não tem nada a ver com moralidade e tudo a ver com o uso efetivo do poder”. Assim o historiador e colunista Dominic Green definiu a palavra que está sendo ressuscitada diante dos lances dramáticos que tanto a China quanto a Rússia estão fazendo no tabuleiro mundial.

    Com um cacife muitas e muitas vezes menor, a Rússia tem o destaque do momento porque parece ter ido além de suas capacidades ao colocar 130 mil soldados cercando a Ucrânia por três lados. Como sair dessa sem passar carão e sem nenhuma vantagem obtida para seu objetivo primordial, redesenhar o status quo vigente desde o fim da União Soviética?

    A resposta está em em interlocutores como Emmanuel Macron. Extremamente bem preparado e inteligente, Macron avaliou que se daria bem se aparecesse como o líder político que desativou a bomba armada por Vladimir Putin na Ucrânia.

    Já que Putin não quer invadir a Ucrânia, mas garantir que os americanos, via Otan, fiquem longe de suas fronteiras, por que não oferecer uma porta de saída a ele, foi o raciocínio por trás da missão diplomática que levou Macron a uma reunião de emergência no Kremlin, “num salão frio como a Sibéria”, na definição de um político oposicionista, com cada um numa cabeceira de uma mesa que acomodaria metade de uma corte czarista?

    Macron saiu da mesa gigantesca achando que tinha conseguido a concordância de Putin para “não empreender novas iniciativas militares” – diplomatês para não desencadear a temida invasão.

    “Essencialmente, é falso”, qualificou o gélido porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. “Moscou e Paris não puderam selar nenhum pacto. É, simplesmente, impossível”.

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    A faca foi revirada sem piedade. “A França ocupa a presidência da União Europeia. A França é membro da Otan, onde Paris não tem a liderança. Neste bloco, a liderança é de outro país. Que acordos podemos discutir?”.

    Tapinha adicional: mal acabou o encontro do qual Macron saiu dizendo que a Rússia tinha se comprometido a congelar a situação atual e foram anunciadas novas manobras perto da fronteira com a Ucrânia.

    Qual a jogada de Putin?

    Nas interpretações mais pessimistas, ele está conseguindo tudo o que queria. “Os Estados Unidos foram expostos como um protetor não confiável, incapaz de defender uma posição avançada demais como a na Ucrânia, na porta de entrada da Rússia”, escreveu Dominic Green. “A Otan está dividida e enfraquecida, uma sombra da projeção imperial”.

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    Pode haver exagero nessa análise, mas é verdade que França e, principalmente, Alemanha fazem uma espécie de reação passiva-agressiva aos Estados Unidos na questão da Ucrânia. O novo primeiro-ministro alemão, Olaf Sholz, foi a Washington para manifestar apoio aos Estados Unidos, mas se recusou a repetir as palavras de Joe Biden. O presidente americano garantiu que o gasoduto Nord Stream 2 entrará nas sanções contra a Rússia se a Ucrânia for invadida.

    A dependência alemã do gás russo é o tipo de fragilidade geoestratégica que Putin sabe explorar muito bem.

    Como mestres na arte da propaganda, os russos também identificam a tática americana de propalar em tom estridente todos os possíveis – e até as impossíveis –  desenvolvimentos que significariam uma intervenção russa.

    Um deles: uma operação de “bandeira falsa” que simularia um ataque contra ucranianos de origem russa, justificando a intervenção armada.

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    A armação é notavelmente parecida com um episódio infame da Alemanha nazista. Para justificar a invasão da Polônia, homens das SS simularam um ataque polonês à rádio da cidade fronteiriça de Gleiwitz. Prisioneiros do campo de trabalhos forçados de Dachau foram vestidos com fardas polonesas, mortos e mutilados (curiosidade histórica: quem forneceu os uniformes foi Oscar Schindler, colaborador da inteligência militar e depois salvador de 1 200 judeus que trabalhavam em sua fábrica). Serviram para “provar” a falsa agressão da Polônia.

    A operação Gleiwitz foi no dia 30 de agosto de 1939. Em 1º de setembro, foi desfechada a invasão da Polônia – e começou a II Guerra Mundial.

    Os russos emulariam um episódio tão conhecido, com suas tétricas consequências?

    Não é provável – mas também não é impossível. Operações assim têm por objetivo convencer a opinião pública interna, que não constitui um problema grave para Putin. A máquina de propaganda já convenceu a maioria dos russos que a Otan é o agente agressor.

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    Com um Putin irredutível, Macron partiu para o lado mais fraco e foi a Kiev pressionar o mais azarado dirigente mundial, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski. As propostas de Macron implicariam, em última instância, em tirar da constituição ucraniana a cláusula que estabelece como objetivo nacional entrar para a Otan e passar a desfrutar da proteção garantida a todos os seus membros.

    “Temos uma visão comum com o presidente Macron sobre as ameaças e os desafios à segurança da Ucrânia, a toda a Europa e ao mundo, de forma geral”, esquivou-se diplomaticamente o ex-comediante.

    Emmanuel Macron não é bobo e sabe bem com quem está lidando. Sabe também que tem uma eleição a ganhar em abril e qualquer coisa que pareça com uma acomodação na Ucrânia poderá ser usada a seu favor.

    Muitas das exigências da Rússia para desarmar a bomba ucraniana são tão absurdas que foram feitas justamente para cair numa eventual mesa de negociação. Se Macron conseguiu nada ou muito pouco com sua arriscada viagem é porque Putin quer, pelo menos por enquanto, manter a pressão. 

    E ver até onde os aliados europeus dos Estados Unidos não entram em pânico.

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