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Mundialista

Por Vilma Gryzinski
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Depenar o ganso sem berreiro

O desastre das reformas que não reformam e impostos extorsivos

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 Maio 2024, 22h59 - Publicado em 6 ago 2023, 08h00

Em 1972, Mick Jagger foi morar com uma deslumbrante nicaraguense chamada Bianca Macías em Paris. O parceiro Keith Richards alugou uma mansão no sul da França, e até hoje muitos se espantam que todos tenham saído vivos da experiência. John Lennon atravessou o Atlântico e foi para Nova York. Os respectivos grupos deixaram legados extremamente parecidos relatando o motivo do êxodo: a estonteante alíquota de 93% sobre rendimentos acima de 1 milhão de libras decretada pelo governo trabalhista do primeiro-ministro Harold Wilson. John Lennon resumiu o espírito da coisa, com letra de George Harrison: “Se você tentar sentar/ vou taxar o assento/ se você ficar com frio/ vou taxar o calor/ se quiser andar/ vou taxar seus pés”. Não deixa de ser irônico que ídolos ingleses tenham ido procurar refúgio num país onde os impostos são praticamente uma tara coletiva — 65% dos franceses acreditam, hoje, depois de tudo o que já foi e comprovado, que “taxar os ricos” é uma maneira de pagar pela aposentadoria precoce que tanto desejam. O movimento inverso aconteceu em 2012, no governo de François Hollande, quando foi instaurada a alíquota de 75% sobre rendimentos acima de 1 milhão de euros, espantando artistas, empresários e jogadores de futebol. A bobagem acabou, discretamente engavetada, em 2014. Não teve um analista que não lembrasse a frase que todos os fiscais da receita têm inscrita, pelo menos metaforicamente, nas suas cabeceiras: “A arte da taxação consiste em depenar o ganso para obter o maior número possível de plumas com o mínimo possível de berreiro”.

“O tolo abraça a fúria fiscal e ainda diz, na nossa cara, que é tudo pelo bem do país”

A ofensiva depenadora de seu autor, Jean-Baptiste Colbert, pode ser usada até hoje como um exemplo do bom emprego dos impostos, considerando-se que ele incentivou as indústrias francesas da época — tecelagens, tapeçarias, espelhos feitos com tecnologia roubada dos italianos e outros produtos finos. “A moda é para a França como as minas de ouro do Peru são para a Espanha”, disse, antecipando em três séculos a indústria do luxo.

Colbert arrancou plumas de muitos gansos, mas não acabou com nenhum deles. O berreiro dos depenados é ouvido mais alto quando são os muito ricos que dizem chega. Isso acontece atualmente na rica Noruega, um daqueles países escandinavos onde tudo parece resolvido, inclusive impostos de trazer lágrimas aos olhos para financiar um estado de bem-estar social generoso (são gastos 15 334 dólares por aluno no ensino fundamental). O atual governo de centro-esquerda acha pouco e está taxando adicionalmente os ricos, o que provoca uma romaria de milionários para a Suíça, onde são isentos para tocar seus negócios.

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Determinar que nível de imposto financiaria serviços essenciais, que nível se torna hostil ao empreendedorismo, o ganso dos ovos de ouro de onde saem empregos e, portanto, mais contribuições, é discussão em todo o mundo. Exceto, claro, entre os que seguem à risca outro dito de Colbert: “Quando um rei cria um cargo, a Providência cria imediatamente um tolo para comprá-lo”. O tolo, magicamente, transforma-se num especialista em tributos, abraça a fúria fiscal e ainda diz, na nossa cara, que é tudo pelo bem do país.

Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853

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