Cinicamente, Putin tenta explorar atentado terrorista que matou 137
Os americanos não avisaram, foram os ucranianos, foram os ingleses e outras barbaridades endossadas pelo líder russo distorcem ataque abominável
Emmanuel Macron, que tem dado bolas fora ultimamente, acertou na análise da reação de Vladimir Putin ao hediondo ataque contra uma sala de espetáculos na grande Moscou. Todos os serviços de inteligência coincidem com os fatos, refletidos na prisão dos envolvidos, de que foi “uma entidade do Estado Islâmico” a responsável. Tentar culpar a Ucrânia “seria cínico e contraprodutivo para a própria Rússia e a segurança de seus cidadãos”.
O presidente francês disse que o mesmo grupo, o ISIS-K, que tem seu foco na região do Khorasan, um território entre Irã, Turcomenistão e Afeganistão, “tentou agir em nosso próprio solo”. Em janeiro, assumiu um atentado no Irã, considerado um alvo legítimo por seguir o ramo “herético” do xiismo, com 95 mortos.
A máquina de propaganda russa, obviamente, é uma especialista em cinismo e manipulação. Desmente até fatos públicos, como o aviso feito, duas vezes, por autoridades americanas sobre a possível iminência de um atentado do tipo. Os vídeos dos quatro terroristas comprovam que evocaram argumentos tristemente tradicionais para promover a matança de “infiéis”, abatidos a tiros ou incinerados no incêndio do Crocus City Hall.
Entre outras manipulações, os russos estão dizendo através de seu exército digital que o atentado foi planejado pelo MI6, o serviço de inteligência britânico – os putinistas são obcecados pelo Reino Unido.
O próprio Putin afirmou que os quatro responsáveis diretos tinham uma “janela” para fugir através da fronteira com a Ucrânia e é preciso descobrir “quem estava esperando por eles lá”.
Os vídeos em que os presos são torturados – um tem a orelha cortada e enfiada na boca, outro sofre choques elétricos nos testículos – fazem parte das tentativas do Kremlin de parecer no controle.
FROTA AMEAÇADA
Nenhum líder pode ser acusado por atentados terroristas inimigos, mas os erros cometidos no aparato de segurança têm que ser apurados, uma realidade que inclui desde os ataques do Onze de Setembro de 2001 nos Estados Unidos até o 7 de outubro de 2023 em Israel.
Tentar distorcer a origem do ataque contra a casa de shows pode, tristemente, convencer uma parte do público interno.
Adicionalmente, o atentado coincidiu com uma grande perda para a Rússia: dois navios de desembarque anfíbio foram atacados pela Ucrânia na Crimeia no domingo.
Na definição de Grant Schapps, secretário da Defesa do Reino Unido, foi “um momento histórico” para a Ucrânia. “Significa que Putin não pode mais fazer manobras a salvo no Mar Negro, embora a frota russa tenha operado lá desde 1783”, acrescentou.
Num momento em que está na defensiva em terra, a Ucrânia tem conseguido lances importantes na batalha naval.
O ambiente de comoção nacional provocado por um atentado execrável contra civis inocentes ajudou a camuflar essas perda. Nesse sentido, Putin saiu, lamentavelmente, ganhando.
Até a perda de 137 vidas está sendo revertida a seu favor.
“PARANÓIA”
“Todas as declarações oficiais do Kremlin e seus propagandistas são mentirosas, entremeadas por algumas meias verdades”, alertou o campeão de xadrez e dissidente Garry Kasparov, mais do que insinuando que os terroristas do Tajiquistão durante uma hora, podem ter sido, sim, manipulados. Mas não por agentes estrangeiros.
Nesse mundo de cortinas de fumaça, a verdade pode ser escorregadia e elusiva.
“Tendo nascido na União Soviética, a paranoia é meu direito natural”, escreveu Kasparov no Wall Street Journal. “Numa das cidades mais vigiadas da face da Terra, onde você pode ser preso em trinta segundos por sussurrar ‘Não à guerra’, os terroristas perpetraram seu ataque durante uma hora e depois simplesmente foram embora de carro”.
Até os paranoicos às vezes estão certos. Ou então revelam, com seu conspiracionismo, apenas o estado de eterna desconfiança que os grandes manipuladores ao estilo Putin despertam e incentivam.