As modelos ucranianas já foram liberadas, depois de provavelmente terem protagonizado a maior concentração de beleza já vista em qualquer instituição penitenciária.
As doze modelos protagonizaram uma cena de cair o queixo: foram fotografadas nuas na sacada de um prédio em Dubai. Todas reclamaram de terem sido enganadas por Vitaliy Greshin, ucraniano que também tem nacionalidade americana e pagou para ser fotografado tocando piano no meio das estonteantes beldades.
Sabiam que posariam nuas, mas não à vista de vizinhos num prédio central da cidade-estado, o que provocou intervenção da polícia e a potencial acusação de divulgação de pornografia, o crime que daria no mínimo dois anos de prisão. Elas foram mandadas de volta à Ucrânia, depois de curtirem a cana em celas que são o oposto da imagem de glamour que o emirado vende.
Aparentemente, Greshin, o tipo de sujeito que gosta de ser fotografado ao lado de pessoas famosas, continua preso, mas ninguém parece muito preocupado.
O caso ilustrou como Dubai se tornou a “capital planetária dos influencers” – ou dos aspirantes a sê-lo -, segundo definiu uma reportagem do Guardian.
Com praias bem cuidadíssimas e arquitetura que parece ter sido feita tendo em mente o novo-riquismo exibicionista que faz tanto sucesso no Instagram, Dubai cultiva profissionalmente a imagem de polo dos influencers. Tem até um visto especial para agentes da mídia digital.
A “indústria aspiracional”, como são chamados os influencers que mostram um estilo de vida desejado por seguidores, abarca empresários e produtores treinados para aumentar o número seguidores.
O grande número de marcas de luxo concentradas no emirado também funciona como fonte de renda: influencers de origem variada, incluindo britânicos, turcos e indianos, ganham para promover produtos in loco e a própria paisagem.
Como jornal de esquerda, o Guardian pinta um panorama sinistro, em que ganhar dinheiro é visto com desconfiança, ainda mais num emirado que, obviamente, não tem nada de democrático.
Mas até uma ministra do governo conservador de Grã-Bretanha, Priti Patel, secretária do Interior, reclamou quando influencers e participantes de reality shows começaram a baixar em massa em Dubai, no fim do ano, quando o país enfrentava, simultaneamente, lockdown, aumento sinistro das mortes por Covid e proibição de viagens turísticas.
Não sem razão, os envolvidos alegaram motivo justo: usar roupas de grifes famosas e posar com drinques elaborados é o tipo de coisa que se qualifica como trabalho em seu mundo.
Para reprimir os exageros, Dubai, apesar da exemplar campanha de vacinação, foi colocado na “lista vermelha”, junto com párias como Brasil e África do Sul: cidadãos britânicos que chegam de lá têm que fazer dez dias de quarentena compulsória num hotel.
Ser influencer é um trabalho em tempo integral e certamente pode consumir uma enorme quantidade de energia, principalmente quando o envolvido tem apenas a própria imagem como fator de promoção.
Quando existem outros elementos envolvidos, nem o céu é o limite. Cristiano Ronaldo, a personalidade com maior número de seguidores no planeta, ganha um milhão de dólares por cada post no Instagram, a plataforma da promoção comercial por excelência. Em janeiro, ele passou dos 250 milhões de seguidores no Instagram.
Incluindo Facebook e Twitter, ele tem mais de 400 milhões de seguidores, um instrumento de poder como nunca existiu antes no mundo, com desdobramentos que ainda não são completamente entendidos.
E se Cristiano Ronaldo começasse a assumir posições políticas ou abraçar causas controvertidas? A pergunta é hipotética. Aliás, para se manter longe de encrencas, o jogador não aceitou protagonizar uma milionária campanha publicitária para promover o complexo turístico que a Arábia Saudita está criando, numa espécie de imitação de Dubai.
Antes do assassinato de Jamal Kashoggi, morto e esquartejado no consulado saudita em Istambul, o príncipe Mohammed Bin Salman, responsável por todas as inovações – e também pelo crime hediondo -, promoveu uma festança, cheia de influencers internacionais. Muitos voltaram com o filme queimado.
A prisão das modelos nuas, apelidadas de “esquadrão bumbum”, por causa da foto que viralizou – todas de costas, encostadas no guarda-corpo de vidro da sacada-, demonstrou que existem limites para o uso de Dubai como pano de fundo para o exibicionismo arrebatado que está na própria definição da atividade dos astros do mundo digital.
“Quando os influencers querem fazer vídeos mais longos, um oficial de polícia fica perto do operador de câmera, muitas vezes esquadrinhando o cartão de memória para checar se a filmagem apresenta uma visão positiva da cidade”, escreveu o Guardian.
Apresentar uma visão positiva está na base de todos os planos desenvolvidos pelos emires de Dubai para atrair turistas e profissionais qualificados numa mistura de polo de negócios e Disneylândia do deserto, já contando que os recursos energéticos que fizeram a fortuna do emirado não vão durar para sempre.
Flexibilizar os mandamentos mais ortodoxos do islamismo faz parte do pacote, com bolsões onde é possível tomar bebidas alcoólicas, usar shorts e biquínis e seguir um estilo de vida ocidental.
Cruzar as linhas dá encrenca. Mas enquanto os influencers se mantiverem nos limites habituais – praias, iates, helicópteros, hotéis de luxo, pratos elaborados e muitas roupas de grifes caras – estão no lugar ideal.