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Carne está em perigo? Novas leis e novos costumes promovem abstenção

Pode faltar bacon na Califórnia por causa de legislação sobre a criação de porcos, uma das tendências que afetam consumo de proteínas animais

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 2 ago 2021, 09h08 - Publicado em 2 ago 2021, 08h49
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  • Tem coisa mais cringe do que relembrar publicamente as delícias de uma feijoada bem degustada ou convidar um grupo de jovens antenados de classe média para um churrasco?

    Tal como a fluidez de gênero (mesmo quando ele é bem definido) e barbas shapeadas para eles (ou elas, ou elus), ser vegano faz parte do pacote de comportamento contemporâneo que é praticamente obrigatório.

    Os pobres vegetarianos já ficaram perdidos na noite dos tempos. Coisa de quem nasceu antes dos anos noventa e ainda se liga em produtos proibidões como queijos ou ovos.

    Globalmente, o consumo de carne está aumentando, em especial por causa dos novos mercados que insuflam o poder aquisitivo e podem bancar proteínas caras. 

    Mas nos bolsões de vanguarda, a carne vai enfraquecendo. E não existe centro mais irradiador de modismos do que a Califórnia, onde a possibilidade de que falte bacon – tão americano quanto hambúrguer – está sendo cogitada a sério.

    O motivo é uma lei aprovada em plebiscito em 2018 e que entra em vigor no próximo ano, estabelecendo regras sobre a criação humanizada, principalmente no que se refere ao espaço maior para porcos, galinhas e bezerros usados para fornecer a carne de vitela.

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    Pelas novas regras, uma porca destinada à procriação deve ter um espaço de pelo menos 2,2 metros quadrados, o suficiente para poder se virar e estender as patas (se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas, teriam um nível muito mais baixo de tolerância com a criação em massa).

    A lei do porco feliz pode aumentar o custo de produção em 15% e, evidentemente, pressionar o preço da carne de porco – a mais consumida em todo o mundo. Um produtor entrevistado pela agência AP calculou que no espaço onde cria 300 porcos, haveria uma redução para 250 animais.

    A consultoria contratada pelos produtores para tentar segurar a legislação – ou conseguir auxílio do governo – projetou um aumento de preço até 60%.

    Disposição para pagar mais e comer menos carne é uma tendência que aparece em pesquisas nos países desenvolvidos,. Na França, que deu ao mundo delícias sublimes como o foie gras e o steak tartar, uma pesquisa indicou que 48% dos entrevistados reduziram (ou disseram ter reduzido) o consumo de carne e 30% querem diminuir mais ainda. 

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    Em maio, foi introduzido o dia sem carne nos cardápios das escolas e dos órgãos públicos. A recomendação para o uso de menos carne faz parte do novo programa de combate às mudanças climáticas e, na definição da ministra da Transição Ecológica, Barbara Pompili, da “mudança cultural” que o governo Macron quer convencer a população a abraçar.

    A carne é acusada de múltiplos pecados: éticos, no que tange à justificativa para consumir mamíferos superiores criados para o abate; sanitários, considerando-se as constantes recomendações para a redução do consumo em nome da preservação da saúde, e, principalmente, ambientais.

    A associação entre a criação de gado e o aumento dos gases que produzem o efeito estufa é um dos argumentos mais empregados para contrabalançar a alta eficiência energética e a satisfação gustativa que o consumo de carne oferece.

    Há pelos menos dez mil anos, onde os humanos vão, vai junto uma coorte de aves, caprinos, ovinos ou bovinos, quando não todos eles juntos. Com a população global batendo em oito bilhões, são sustentáveis mesmo os métodos mais controlados – e humanizados – de produzir proteína animal?

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    As alternativas para quem não quer ou não pode simplesmente viver de vegetais por enquanto não são consistentes.

    Uma das mais recentes foi feita pela empresa israelense que criou a marca Redefine Meat de substitutos da carne que usa impressoras 3D para tentar transformar produtos feitos com proteína de soja, óleo de coco e óleo de girassol em hambúrgueres ou kebabs que convençam carnívoros renitentes a fazer a troca.

    Os resultados ainda não são totalmente convincentes, mas o CEO da empresa, Eshchar Ben-Shitrit, fez para o Times of Israel uma previsão ousada: “Dentro de dez anos, nós vamos olhar para trás e pensar que era uma loucura criar e sacrificar animais para desfrutar de comida boa”.

    Israel é o país do mundo com a maior proporção de veganos “convertidos”, cerca de 5% da população (na Índia, onde as religiões tradicionais condenam a morte de animais, são 400 milhões de vegetarianos).

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    É impossível imaginar um lugar como os Estados Unidos, o maior consumidor de carne do mundo (98,6  quilos per capita por ano, à frente de Austrália, Argentina e Uruguai) sem hambúrgueres, ovos com bacon e costelas que parecem saídas de dinossauros.

    Mas não é aconselhável ignorar as mudanças culturais mencionadas pela ministra francesa.

    Com o aumento do padrão de vida, o consumo de carne dobrou entre 1988 e 2018 e poderia bater em 570 milhões de toneladas em 2050, num mundo “invertido”, dividido entre ocidentais vegetarianos, orientais carnívoros e californianos quase desencarnados para os quais o bacon seria apenas uma memória distante de tempos bárbaros.

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