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‘O Pintassilgo’, sem vocação para ‘Apanhador’, de Salinger

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Por Simone Costa
Atualizado em 31 jul 2020, 03h03 - Publicado em 21 set 2014, 09h17

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Theo Decker acordou preocupado porque teria de ir à escola com a mãe, Audrey, para falar sobre o motivo da sua suspensão. A caminho do colégio, e desconfortáveis um com o outro, eles enfrentam uma chuva torrencial e um taxista destemido pelas ruas de Manhattan, quando descem do táxi para tomar outro que não cause tantos frios na barriga. A chuva que começa a cair mais forte, no entanto, os leva para as escadarias do Metropolitan Museum of Art, na Quinta Avenida. A ideia da mãe de entrar e esperar a chuva passar no museu agrada a Theo, já que a perspectiva de chegar ao colégio o atormenta. Mas ele não pode imaginar que a mudança de itinerário alterará também – e de forma drástica – o rumo de sua vida. É essa a história que o leitor acompanha em O Pintassilgo (tradução de Sara Grünhagen, Companhia das Letras, 728 páginas, 49,50 reais na versão impressa e 35 reais na versão e-book), livro da americana Donna Tartt que venceu o Pulitzer em abril deste ano e já soma vendas de mais de 1,5 milhão de cópias.

Um atentado terrorista no Metropolitan é o que transforma a vida de Theo, que perde a mãe com a explosão de uma bomba. Theo, que está em outra sala no momento da explosão, sai ileso, mas carregando dali por diante um sentimento de culpa, já que a mãe só foi ao local porque deixou de ir ao trabalho para acompanhá-lo até a escola. Junto com a culpa, Theo carrega outra coisa que lhe dará a sensação de continuar próximo da mãe: o quadro O Pintassilgo, do pintor holandês setecentista Carel Fabritius, uma obra rara. O quadro era o preferido da mãe, que o havia visto de perto pela primeira vez naquele dia, realizando um sonho de infância. E também o ligará a outros dois personagens, Welty e Pippa, fundamentais para o desenrolar do enredo.

pintassilgo_capaO Pintassilgo está narrado em primeira pessoa e de forma linear. Aos 27 anos, Theo rememora sua vida desde os 13, quando ocorre o atentado em que perde a mãe. Primeiro, o medo de ir para um orfanato, já que os avós paternos não o querem, ele não tinha parentes maternos e o pai saiu de casa meses antes sem deixar contato. É na casa do amigo Andy, um garoto rico que vive com a família na elegante Park Avenue, que ele vai passar os primeiros meses como órfão. Seu próximo destino será Las Vegas, onde conhecerá Boris, um garoto de origem ucraniana com quem vai experimentar todas as drogas. Alguns anos mais tarde, de volta a Nova York, ele terá Hobie, um restaurador de mobília gentil e bonachão, como tábua de salvação.

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Esse é o terceiro livro de Donna Tartt, 50 anos. O primeiro, A História Secreta, de 1992 mas lançado aqui em 1995 pela Companhia das Letras, virou uma espécie de bestseller cult, com mais de 5 milhões de cópias vendidas. O Amigo de Infância (Companhia das Letras, 2004) veio 10 anos depois e ultrapassou 2 milhões de cópias vendidas.  O Pintassilgo rendeu ainda mais elogios a Donna, que chegou a ser comparada ao inglês Charles Dickens por autores como Stephen King, principalmente pela maneira como constrói os personagens.

De fato, alguns personagens são muito bem elaborados, como o próprio Theo e Hobie, o restaurador de mobília que influencia o futuro do garoto. As características do restaurador vão sendo apresentadas ao longo do livro. “Carrancudo e com um ar competente, a mão branca e nodosa espalmada na mesa, havia algo na posição dos seus ombros que sugeria um cavalo de carga de boa índole, ou um operário no bar no final de um longo dia.” Outros personagens, no entanto, parecem muito caricaturais, como ocorre com Boris, o garoto ucraniano. Seu pai trabalha com mineração e eles têm passagem por diversos países, mas, “embora soubesse muita coisa sobre filmes e música, estava décadas atrasado; ele não tinha a menor noção de esportes, jogos ou televisão, e – com exceção de algumas grandes marcas europeias, como Mercedes e BMW – não sabia diferenciar um carro do outro”. Sua maneira de falar e de se vestir, além das atitudes, são forçadas demais para que ele seja o garoto rebelde da trama. O futuro de Boris segue a mesma linha e ele continua, até o fim, como um personagem pouco convincente.

Nem todos os críticos elogiaram O Pintassilgo. James Wood, da revista The New Yorker, por exemplo, disse que o livro é uma prova da infantilização da literatura. “Seu tom, linguagem e história pertencem à literatura infantil”, escreveu ele. De alguma forma, ele tem razão. A primeira metade do livro, em especial, em que Theo vive entre Nova York e Las Vegas, mais parece um texto juvenil fraco. A presença de Boris é que mais contribui para isso, além de expressões como “andandinho”, “correndinho”.  O que faz com que o leitor continue com o livro, já que depois de Las Vegas ainda há metade da trama pela frente, é a habilidade de Donna de prender o leitor. Para isso, ela usa estratégias que realmente funcionam, como finalizar o capítulo com algum suspense (“O que ele ia ganhar se eu fosse preso, a pintura recuperada, deixada longe do seu alcance para sempre?”) ou dar uma deixa de que algo mais aconteceu, como “tudo correu bem, apesar do que veio depois”.

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A segunda metade do livro, com Theo de volta à Nova York e aprendendo a tomar conta do antiquário de Hobie, é a mais interessante. Vale a pena persistir e passar pelo deserto de Las Vegas para chegar a essa parte. É nela que estão as melhores descrições da cidade e dos personagens, especialmente do próprio Theo, que agora está mais maduro. Não cobre muita coerência. Há leitores que apontaram erros de localização – em especial, em Nova York – e o fato de que seria difícil Theo e a mãe conseguirem morar num prédio com porteiro na rua 57ª Leste, já que o diz viver em dificuldade financeira. Theo também usa iPhone e iPod do começo ao fim do livro sem que os aparelhos sofram modificações ou sejam substituídos por algo mais moderno ao longo de 14 anos.

Há ainda a questão do quadro O Pintassilgo. É claro que ele é uma das artimanhas de Donna para prender o leitor. É impossível não querer saber no que vai dar o fato de um garoto sair de um museu como o Metropolitan com uma obra rara. E o quadro, esquecido por vários momentos, garante boas tramas. Mas, no final das contas, o livro poderia ser apenas a história de um garoto atormentado que perdeu a mãe num atentado terrorista. A maneira como Theo se sente, desolado e perdido, lembra Holden Caulfield, de O Apanhador no Campo de Centeio, clássico de 1951 de J.D Salinger, considerado um dos melhores livros sobre o desamparo da adolescência. Se tivesse se detido nisso, talvez o livro fosse mais consistente.

Quem agradece a inclusão de O Pintassilgo no livro é o Museu Mauritshuis, em Haia, na Holanda. Reaberto em junho depois de uma reforma que durou dois anos, o museu trocou O Pintassilgo de lugar, de uma parede lateral em uma escadaria para uma sala com mais destaque. Vale lembrar que seu autor, Fabritius, foi discípulo de Rembrandt  e mestre de Vermeer (Moça com Brinco de Pérola, também do mesmo museu) e esse quadro é um dos únicos que sobreviveram ao incêndio em 1654 que pôs fim à vida do pintor. Graças a Donna Tartt, os holofotes recaíram sobre O Pintassilgo.

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