Uma carta ao general de Lula sobre golpe de 1964
E não só para Tomás Miguel Ribeiro Paiva, comandante do Exército…
O Brasil não trata com o devido respeito o 31 de março. A palavra respeito pode até soar estranha para você, leitor, mas é assim que a Alemanha lida com o horror do holocausto.
Quem sou eu para tratar da História – e comparar o horror nazista com a barbárie da ditadura militar – mas, entre historiadores, já há a certeza de que um movimento é consequência do outro.
Está sabendo, ministro Dias Toffoli?
Em visita a um terrível campo de concentração na Alemanha, ouvi de uma guia:
– “Me perdoa?”
Em minha ingenuidade, respondi:
– “Mas eu não sou judeu”
Ela respondeu:
– “Mas eu estou pedindo perdão para humanidade”
Não temos visto no Brasil somente a boçalidade bolsonarista, mas a construção de um projeto de poder que teve suas ideias plantadas no solo brasileiro durante o regime militar, mais especificamente nos porões sádicos dos quartéis brasileiros.
Jair Bolsonaro foi gestado no Doi-Codi, onde o Brasil escreveu o seu pior capítulo desde a escravidão.
Para quem gosta do mal – reservo-me o direito de esquecer minhas aulas de ética, filosofia, as dicotomias, a doutrina maniqueísta ou a dualidade básica entre os apostos -, respondo apenas com minha humanidade.
A luz e as trevas (falei bonito agora).
Estamos tratando aqui, se não sabe, de nossa escolha mais profunda: mais uma vez aceitaremos a barbárie em nossa sociedade ou não? Existem valores universais no Brasil ou só em outros países?
(Só um parênteses: já perceberam que o mercado não está preocupado com isso, leitores?)
Banalizar a violência da tortura para aqueles que a vivem como martírio (repito, martírio), sejam as vítimas dos crimes ou mesmo seus familiares, é – e aqui chego numa certeza absoluta – a materialização da banalidade mal.
Entendo, portanto, os historiadores que começam a ligar um regime ao outro. Hannah Arendt usou sua vida para analisar os regimes totalitários, com ênfase para o nazismo.
Judia na Alemanha durante a propagação do odioso regime, sofreu na pele as ações do que se dedicou a criticar. Conheço pessoas que sofreram o mesmo aqui no Brasil entre 1964 e 1985 – em escala menores.
Escrevi isso com dor nos últimos anos. “Ainda hoje, no entanto, os quartéis ensinam aos jovens militares uma versão daqueles anos distante da verdade. […] Só existe superação do erro quando há o reconhecimento, o pedido de desculpas e alguma consequência pelos atos praticados”.
Ao contrário dos últimos quatro anos, quando Bolsonaro exaltou o golpe, este 31 de março de 2023 foi diferente.
Um militar – que atualmente ocupa o cargo de comandante do exército – ameaçou punir quem comemorasse o golpe, a barbárie, o fechamento do Congresso, a troca arbitrária de ministros do Supremo, a censura, a tortura, a morte, a ocultação de corpos de brasileiros.
É um começo importante, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Obrigado, do fundo do meu coração. Mas precisamos fazer mais. E acredito no esforço do senhor, no ministro José Múcio (que trabalhou dia e noite por um importante avanço) e no presidente Lula. Siga em frente!