Um documento produzido pelo Superior Tribunal Militar (STM) nesta quarta-feira, 30, traz informações inéditas sobre a forma como a ditadura militar engavetou um processo judicial aberto por ela mesma para corroborar a existência de uma “ameaça comunista” contra o Brasil e justificar o golpe de 1964.
O documento foi assinado pelo presidente do STM, Francisco Joseli Camelo Parente – um militar que tem se esforçado de forma louvável para dar transparência à corte – e enviado ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fachin solicitou as informações ao STF porque é relator de um habeas corpus apresentado em 2022 para instar o Judiciário a finalmente, dar uma conclusão ao caso.
O processo trata da condenação de 9 chineses, em 21 de dezembro de 1964, a 10 anos de prisão cada um. À época, para sustentar a versão de que existia uma ameaça comunista, o regime militar afirmou que agulhas de acupuntura e de pipa seriam usadas pelo grupo para assassinar autoridades brasileiras e implantar o “comunismo de vertente chinesa” no Brasil.
A versão dos militares golpistas nunca foi confirmada. Em março de 1965, como forma de reparar o incidente diplomático causado pelas prisões, a ditadura expulsou os chineses do país. Ficou pendente, no entanto, o recurso apresentado pelos acusados.
Quando o STM foi julgar o caso, em outubro de 1965, decidiu “sobrestar” o processo –ou seja: suspender o julgamento. Em maio de 1969, o caso foi remetido ao arquivo do STM.
No comunicado enviado nessa quarta ao ministro Fachin, o presidente do STM afirma ainda que “até o presente momento, o referido recurso defensivo continua sobrestado e não aguarda qualquer tipo de deliberação”. Ele lembra que os acusados nunca pediram a extinção da punição, mesmo depois de prescritos os crimes de que foram acusados. Dessa forma, segue valendo o recurso apresentado pela defesa deles na época.
Agora, cabe ao STF decidir sobre o caso. “O que está para ser decidido é o encerramento do processo, com a devolução dos valores e bens que ainda estão retidos”, afirmou à coluna o advogado Victor Mendonça Neiva, que representa o sociólogo João Vicente Goulart, filho do ex-presidente da República João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.
Para o advogado, a revelação de que os militarem engavetaram o processo dos chineses “desmantela o argumento de que havia uma ameaça comunista que justificasse o golpe de 64”. Ele afirma que o interesse do João Vicente Goulart com o caso “é em restabelecer a verdade e a própria imagem do pai, que jamais atentou contra a democracia no Brasil e que sequer era comunista”.