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Matheus Leitão

Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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“Não mude do Brasil, mude o Brasil” – entrevista com Marco Antônio Villa

A Rodolfo Capler, o historiador emitiu sua opinião sobre os evangélicos, elogiou Alexandre de Moraes e definiu como será o futuro do bolsonarismo

Por Rodolfo Capler
6 nov 2022, 10h54

O historiador Marco Antônio Villa notabilizou-se no debate público por suas críticas mordazes ao PT. Autor de “A década perdida”, obra que analisa a permanência do Partido dos Trabalhadores no poder, entre janeiro de 2003 a dezembro de 2012, Villa foi um dos grandes opositores de Lula e de Dilma Rousseff durante os quatorze anos de governança do partido. Após o processo de impeachment da ex-presidente Dilma em 2016 e da prisão de Lula em 2018, o historiador foi um dos primeiros intelectuais públicos a rechaçar a figura de Jair Bolsonaro, o qual aparecia na cena nacional como um novo messias prometendo livrar o país da “petralhada” e da corrupção.

Desde então Marco Antônio Villa vem denunciando os excessos e crimes praticados pelo governo federal. “O sonho de Bolsonaro é ver uma guerra civil acontecendo no Brasil”, afirmou. Em entrevista à coluna, o historiador falou sobre o futuro do bolsonarismo (o qual acredita seguir sem a figura de Bolsonaro), fez elogios ao ministro do STF Alexandre de Moraes e manifestou esperança num país melhor com o novo governo Lula. 

A seguir os principais trechos da entrevista:

Rodolfo Capler – O senhor professa alguma religião?

Marco Antônio Villa – Eu venho de uma família católica de São Bernardo do Campo. Fui batizado e crismado, cumprindo todos os ritos requeridos pelos católicos. No final dos anos 1980, quando desenvolvi minha tese de doutorado, cujo título é “Canudos: o povo da terra”, passei a ler muito sobre a era patrística, que demarca os primeiros séculos do Cristianismo. Naquele período conheci inúmeros autores fantásticos, como o grande historiador Eusébio de Cesaréia e o teólogo Agostinho de Hipona. Toda essa experiência me ajudou a pensar muito sobre as questões mais profundas da espiritualidade cristã. Atualmente, tenho lido Santo Inácio de Antioquia, um dos primeiros mártires cristãos. Estou tentando entender o que ele viveu e, transplantar para os nossos dias, os princípios de sua fé. Voltando ao cerne de sua pergunta, me considero um católico que tenta por meio da leitura e da compreensão aprofundar a experiência de fé.

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Rodolfo Capler – Nos últimos quatro anos boa parte do movimento evangélico se imiscuiu com o bolsonarismo. Na sua opinião, com a derrota de Bolsonaro, esse movimento de radicalização dos evangélicos tende a continuar ou se enfraquecerá?

Marco Antônio Villa – É provável que os estímulos advindos do Palácio do Planalto, e de setores responsáveis da política brasileira, façam com que algumas lideranças evangélicas mais radicalizadas diminuam o tom de suas falas, agressivas, anticristãs e antirrepublicanas. Eu presumo que os novos tempos farão com que esses líderes repensem o que falaram durante todo o período eleitoral. Eles terão – como se diz no jargão popular – de “baixar a bola”, pois, muitas de suas propostas e discursos ferem a nossa Constituição. É importante ressalvar que existem milhares e milhares de pastores evangélicos por todo o Brasil com outra concepção de fé, de vivência e de democracia. Tais pastores destoam dos pastores pops e estão realmente envolvidos com as demandas cotidianas do povo, ajudando-os em suas necessidades. 

Rodolfo Capler – Neste ano o senhor lançou-se candidato a deputado federal por São Paulo. Não foi eleito por apenas 1,8 mil votos, mas ficou como o primeiro suplente. O que aprendeu com essa experiência?

Marco Antônio Villa – Eu aprendi que a Constituição ainda não está enraizada no solo brasileiro. A atual Constituição – a mais democrática que já tivemos – precisa ser uma Constituição diária. Isso significa que todo cidadão brasileiro precisa aprendê-la, a começar pela escola. Eu tenho uma ideia-projeto que é o ensino da Constituição na sala de aula para alunos de ensino médio. Se eu tiver mandato parlamentar (estou como suplente), pretendo apresentar esse projeto ao Congresso Nacional. Defendo que as escolas militares e as PMs também precisam aprender a Constituição de 1988. Outra lição que aprendi é que a maioria dos eleitores em nosso país não tem consciência do processo histórico e político. Ou seja, eles não sabem, por exemplo, que um candidato a deputado federal pode ser votado em todos os municípios do estado da federação pelo qual concorre. Eu encontrei muitas pessoas admiradoras do meu trabalho, que me confidenciaram não terem votado em mim pois achavam que eu só podia ser votado na cidade de São Paulo. O contrário também ocorreu; recebi inúmeras mensagens de pessoas de outros estados que desejavam fazer núcleos de apoio à minha candidatura. O desconhecimento constitucional é muito grande. 

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Rodolfo Capler – Apesar de ter sido – em anos anteriores – um dos mais ferrenhos opositores e críticos do PT, o senhor declarou voto em Lula e em Haddad nessas últimas eleições. O que te fez mudar de posição?

Marco Antônio Villa – Eu declarei voto em Lula e fiz questão de manifestar que não estava votando no PT, mas numa frente ampla democrática. Tínhamos pela frente uma escolha: civilização ou barbárie. Não aguentaríamos mais quatro anos de governo Bolsonaro. Se isso acontecesse, estaríamos fadados à barbárie, ao nazifascismo e ao fim da democracia. Não haveria 2026, pois Bolsonaro imporia a ditadura chavista teocrática. Preciso registrar que o último domingo foi o dia mais feliz da minha vida pois vi a derrota do Jair “Asmodeus” Bolsonaro (risos).

Rodolfo Capler – O que precisa mudar no Brasil com Lula no poder?

Marco Antônio Villa – Ele tem que entender que 2023 não é 2003. Nos últimos 20 anos o mundo mudou e o Brasil mudou. Tudo se tornou mais complexo. Lula terá de fazer um governo de ampla união nacional. Ou seja, os quadros do PT não podem ser os elementos dominantes do seu governo. Se assim o for, ele não conseguirá governar. Penso que Lula precisa nomear um bom ministro da fazenda, acabando de uma vez por todas com o ministério da economia. Não necessariamente precisa ser um economista. Pode ser um político com bom trânsito e com experiência administrativa. Para o ministério das relações exteriores, ele deverá optar por alguém oriundo do Itamaraty. Não será tarefa fácil para Lula pegar os cacos e reconstruir esse país destruído por Bolsonaro. Acima de tudo, ele terá de tratar a questão da educação. Como lidará com os analfabetos resultantes do período da pandemia? Temos crianças que ficaram sem aula durante a covid-19 e que precisam ser amparadas pelo sistema educacional. Essas e outras questões devem ser observadas pelo governo Lula.

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Rodolfo Capler – Em inúmeras ocasiões o senhor comparou o bolsonarismo ao nazismo. Por que o senhor sustenta essa opinião?

Marco Antônio Villa – Eu sugiro que assistam, em meu canal no YouTube, a brilhante entrevista que fiz cowm o professor Michel Gherman. Ele apresenta situações envolvendo Bolsonaro, e frases ditas por ele, que reforçam a minha fala de que ele é um nazifascista. Bolsonaro só não consegue ser completamente nazifascista porque é um homem preguiçoso – ele é um verdadeiro mandrião. Caso contrário, ele teria lido os clássicos e os teóricos do fascismo e do nazismo, o que nos colocaria numa situação muito pior do que a que vivenciamos hoje.

Rodolfo Capler – Como o senhor avalia as determinações do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, durante o último processo eleitoral?

Marco Antônio Villa – Foram fundamentais. Se tivemos tranquilidade nos dois turnos das eleições, isso deve-se ao jurista Alexandre de Moraes. O empenho dele em preservar a integridade do processo eleitoral fez enfraquecer as suspeitas de fraude. Ninguém mais questiona a lisura no processo eleitoral, a não ser os indivíduos surtados. Eu fiz questão, inclusive, de mencionar a coragem do ministro Alexandre de Moraes no último domingo à noite na TV Cultura. Todos temos uma dívida histórica para com o ministro Alexandre de Moraes, que teve firmeza e determinação nos momentos em que se precisava de decisões imediatas em relação à preservação do processo eleitoral. O que o enobrece é que ele o fez, sabendo que haveria um custo. Ele tem sido descredibilizado e tem recebido ameaças de morte.

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Rodolfo Capler – O silêncio de Bolsonaro após a vitória e Lula, revela o quê?

Marco Antônio Villa – Revela quem ele é. Ele utilizou esse ativo pensando em 2023. Tentar golpe de Estado, jogando brasileiros contra brasileiros, é do feitio dele. O sonho de Bolsonaro é ver uma guerra civil acontecendo no Brasil. Isso está gravado em vídeo. Ele disse que tem que matar uns trinta mil civis, não importando se tais pessoas são inocentes. O silêncio dele após os resultados da eleição foi para criar tensão. Este é o modus operandi de Bolsonaro.

Rodolfo Capler – O que deve acontecer com Bolsonaro e com o bolsonarismo nos próximos quadro anos?

Marco Antônio Villa – Bolsonaro será página virada em nossa história. Quanto ao bolsonarismo, apesar de costumeiramente o nominarmos dessa forma, é importante que se diga que ele não existe. O “ismo” pressupõe uma visão de mundo orgânica, oposta à confusão que vemos no movimento em torno de Bolsonaro. O que temos no Brasil é um extremismo. Por isso a questão que se coloca é a seguinte: quem será o herdeiro desse extremismo? Não acredito que seja Bolsonaro, pois ele é um ser humano incapaz, com problemas cognitivos seríssimos. Outros poderão ocupar este espaço. Talvez o Tarcísio, porém, não podemos ter certeza quanto a isso.

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Rodolfo Capler – Qual mensagem o senhor gostaria de deixar aos brasileiros após esse período eleitoral?

Marco Antônio Villa – Precisamos acreditar no Brasil. Não mude do Brasil, mude o Brasil. Acredite: vamos sair dessa crise. Já passamos por muitos períodos piores na história do Brasil republicano. Tenha esperança e se envolva com a política. Não me refiro, estritamente, à política feita a cada dois anos, mas à política que acontece diariamente e que afeta as nossas vidas.

* Rodolfo Capler é teólogo, autor do livro “Geração Selfie” e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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