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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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É possível ser um cristão evangélico de esquerda?

Teólogo Rodolfo Capler responde à luz da Bíblia Sagrada...

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 3 Maio 2022, 10h16 - Publicado em 23 abr 2022, 11h21

Não é de hoje que pastores de renome como Edir Macedo e André Valadão declaram publicamente que é impossível um cristão ser de esquerda. Valadão que é pastor da Igreja Batista Lagoinha em Orlando nos Estados Unidos e um entusiasta do governo Bolsonaro, emitiu juízo de valor há algumas semanas e se pronunciou em nome da cristandade tomando partido nesta questão anacrônica. 

Para Valadão, assim como para a maioria dos pastores evangélicos no Brasil, a fé cristã está circunscrita a um código moral, que em linhas gerais, não reconhece os direitos da comunidade LGBTQIA+, descredibiliza a luta do movimento feminista e despreza quaisquer críticas à desigualdade social. Portanto, conforme a ótica do pastor influencer, um cristão só pode se identificar com à direita do espectro político. 

O que deixa de ser considerado em afirmações como a de André Valadão é a tradição profética da Bíblia Hebraica. Os profetas do Antigo Testamento se dedicaram a denunciar as injustiças sociais de sua época com o intuito de reformar a realidade social a sua volta. Uma superficial análise dos livros proféticos (como o de Isaías e Jeremias), deixa claro que o Deus dos judeus se opõe às injustiças e vicissitudes sociais. O próprio Jesus de Nazaré, durante os anos em que viveu na Palestina no século I, replicou, tanto em seus discursos quanto em suas ações, uma atitude insurrecional contra os mais variados tipos de opressões e omissões sociais praticados pelos romanos. A título de exemplo, Jesus se associou com muitas mulheres, numa cultura que as desprezava e as tratava como seres de quinta categoria. Igualmente tocou em leprosos, coxos e cegos, que eram identificados como entes amaldiçoados por Deus. Comeu com publicanos, que eram mal vistos pelos seus conterrâneos judeus. Era amigo de prostitutas… e em dada ocasião orientou seus discípulos a visitarem os presos, a acolherem os estrangeiros, a cobrirem os nus e a alimentarem os famintos. Jesus também desautorizou a deificação do dinheiro e condenou a absolutização da propriedade privada, incentivando os ricos a doarem todos os seus bens aos pobres.

Levando em conta a tradição profética da Bíblia Sagrada foi que teólogos reformadores, como Thomas Müntzer, Filipe Melanchthon e João Calvino preconizaram em suas teorizações e práxis ministeriais uma verdadeira revolução social no tempo em que viveram. De igual modo, no século XX, teólogos latino-americanos católicos e protestantes desenvolveram as chamadas teologias “da libertação” e da “missão integral” que incluem em seu bojo de reflexão a concepção de “pecados estruturais” e o entendimento de que Deus olha de forma cuidadosa para o pobre e para o oprimido.

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À vista disso, podemos concluir à luz da Bíblia Sagrada e da tradição de fé do Cristianismo que é possível sim, ser cristão e manter posicionamentos políticos progressistas. Vale ressaltar que a questão em si, de um cristão poder ser de direita ou de esquerda é um evidente anacronismo, pois as noções de direita e esquerda que temos remetem ao período da Revolução Francesa, há cerca de 230 anos, quando girondinos e jacobinos debatiam as bases da nova constituição que regeria a França, entre os anos de 1789 a 1791 na Assemblia Nacional Constituinte.

Isto posto, a afirmação peremptória de que um cristão deixa de ser cristão em razão de suas crenças políticas não é autoritativa dentro do Cristianismo, tampouco é compatível com o espírito do Evangelho de Jesus que proíbe separar o joio do trigo.

* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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