O advogado Victor Mendonça Neiva, que conseguiu na Justiça a decisão que obriga o presidente Jair Bolsonaro a usar máscaras em ambientes públicos, já era, antes desta terça-feira, 23, um notório desafeto do governo, mais especificamente da ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Com a carreira de defensor de perseguidos políticos da ditadura militar (1964-1985) há duas décadas, para o desgosto de Bolsonaro, e com casos como o do cartunista Ziraldo, Victor Neiva teve embates recorrentes na Comissão de Anistia do governo federal, onde atuou por quase seis meses como único representante dos anistiados entre os seus 27 integrantes.
Ao entrar no colegiado em abril de 2019, o advogado deixou de atuar em todos os processos que tramitavam no próprio órgão do governo para evitar eventuais conflitos de interesse. Ainda assim, o governo passou a exigir, em setembro, que todos os integrantes da Comissão deixassem também os casos em que tinham atuação na Justiça, mesmo que eles não tivessem qualquer ligação com os analisados pelo colegiado.
Criado para atingir Victor Neiva, o novo regramento levou o advogado a deixar o cargo. E revelou mais uma vez que a gestão Bolsonaro tem dificuldade de lidar com o contraditório. Na prática, a atuação de Victor Neiva, mesmo que bastante crítica às decisões da Comissão de Anistia, servia apenas para o contraditório, já que ele era minoria e perdia em quase todos os casos.
Antes de sair do cargo em outubro do ano passado, o advogado enviou mensagem à ministra Damares Alves pedindo que ela retirasse o termo “anistia” do nome da comissão se “arbitrariedades” continuarem acontecendo no órgão. Os embates eram comuns também com os outros integrantes do colegiado, em sua maioria com atuação acrítica aos crimes do regime militar.
Após a sua saída do governo, Victor Neiva, que nunca tinha sido filiado a um partido político, entrou para o PCdoB. “Me filiei após ter sido expulso pela Damares. Já que era estigmatizado por defender democracia, percebi que, sem lutarmos também na seara política, a luta apenas jurídica tende a perder eficiência. Mas nem deu tempo de me tornar um militante orgânico”, explicou para a coluna.
ASSINE VEJA
Clique e AssineNo início da carreira, antes de sua atuação em defesa de perseguidos da ditadura, Victor Neiva foi advogado concursado da Petrobras. Ele pediu demissão aos 25 anos para montar seu escritório. Nesse momento, passou a trabalhar para a Associação Brasileira de Anistiados Políticos, na área de Direitos Humanos, e em ações relacionadas à saúde ocupacional de trabalhadores, principalmente os professores da Rede Pública.
O advogado de 42 anos também coordenou o jurídico do Conselho Federal de Psicologia e atuou em causas de costumes como a “cura gay”, assim como a questão da criminalização da homofobia. Sua petição neste último caso foi citada como exemplo pelo ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em suma, sua trajetória profissional como advogado foi a de largar o direito empresarial na estatal do petróleo para se dedicar aos Direitos Humanos. Nesta terça, 23, ao conseguir que o juiz obrigasse Bolsonaro a usar a máscara, a ação, cuja existência foi revelada pela coluna, repercutiu de forma ampla na imprensa internacional, do inglês The Gardian à emissora do Qatar Al-Jazzera.