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Matheus Leitão

Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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A reunião desmarcada e a certeza de Bruno Pereira: “cabeça em leilão”

Conversa inédita do indigenista mostra que ele entendia o perigo que corria, e que políticos locais sabiam onde ele estaria no dia em que foi morto

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 out 2022, 11h04 - Publicado em 11 out 2022, 17h58

“Minha cabeça já está em leilão”. 

A mensagem foi escrita pelo indigenista Bruno Pereira a um colega que hoje vive sob o mesmo temor que o indigenista passou inúmeras vezes: ser assassinato por contrariar os interesses do narcotráfico no Vale do Javari, Terra Indígena localizada no extremo oeste do estado do Amazonas.

A data da conversa é o dia 31 de maio, apenas cinco dias antes do funcionário da Funai ser brutalmente morto.

A coluna teve acesso às mensagens enviadas por WhatsApp e que permaneciam, até hoje, desconhecidas do público brasileiro. Ela é reveladora não só pela angústia de Bruno de ser morto, mas há também outra grave implicação: envolve políticos locais em um parte da trama que escandalizou o Brasil e o mundo.

Mas vamos por partes.

Além da assustadora premonição de Bruno Pereira de que a situação na violenta região amazônica piorara, a mensagem revela como trabalhar pela preservação ambiental é difícil no Brasil. Ainda mais numa área do país fustigada pelo garimpo, desmatamento, e – principalmente – pela caça e pesca ilegal, grupo criminoso diretamente envolvido no assassinato do indigenista.

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Até agora, cinco meses após Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips serem mortos, esquartejados – seus corpos queimados e ocultados na floresta – as investigações apontam para essa quadrilha liderada pelo narcotraficante Rubens Villar Coelho, o “Colômbia”, que tem nacionalidade brasileira e peruana.

(O criminoso quase foi solto pelo juiz do caso Bruno e Dom na semana passada, mas permaneceu preso pelas graves suspeitas que pesam sobre ele em relação ao crime de pesca ilegal)

Daí, a importância das mensagens trocadas cinco dias antes da morte de Bruno Pereira.

O pedido de socorro de Bruno Pereira – de que sua “cabeça está já [estava] em leilão” – ganha um contorno ainda mais dramático porque o indigenista conversava com o colega sobre uma reunião que havia sido marcada, por iniciativa dele, com políticos locais da Amazônia. A reunião se daria exatamente no dia em que ele foi morto, quando todos sabiam onde ele estaria e porquê.

Os políticos locais, contudo, nunca apareceram e avisaram que fariam isso:

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“Soube ontem que naufragou a reunião que faríamos com os invasores de São Rafael. Vereador Marquinhos já vazou para alguns que os caras só pensam em invadir a TI [Terra Indígena]. E minha cabeça está em leilão”, afirmou Bruno Pereira entre 12h47 e 12h48 do dia 31 de maio.

A comunidade de São Rafael fica a 26 quilômetros de Atalaia do Norte. Foi o último local em que o indigenista foi visto com vida ao lado de seu companheiro de viagem Dom Phillips.

Na saída da comunidade ribeirinha, às margens do rio Itacoaí, na fronteira do Amazonas com o Peru, os dois foram perseguidos por um homem chamado “Pelado” e por seus comparsas – como mostram as investigações – e aconteceu o assassinato.

Bruno foi à cidade justamente para tentar manter a reunião de pé. A ideia do indigenista, segundo apurou a coluna, era a de tentar conter o avanços de criminosos buscando alternativas financeiras para que os ribeirinhos – arrastados para a pesca ilegal de pirarucu pela grave crise econômica – tivessem alternativas de renda. Isso, pelo ensino do manejo.

O convite aos políticos era a forma encontrada por Bruno Pereira de – acertadamente – envolver toda a comunidade em um esforço para o combate ao crime na região em busca da preservação do meio ambiente. Essa era uma das pautas levantadas não só por Bruno Pereira em sua carreira, mas também por Dom Phillips em boa parte de seu trabalho como correspondente internacional.

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Mas essa mesma ação de Bruno Pereira contrariou o interesse do narcotraficante Rubens Villar Coelho, o “Colômbia”, e, segundo a coluna apurou, de políticos locais que podem ter relação com o criminoso.

A conversa de Bruno Pereira é só um dos indícios. Essa passou a ser uma das linhas de investigação sobre o assassinato de Bruno e Dom, segundo apurou a coluna.

O que diz a Polícia Federal

Questionada por este espaço sobre a linha de investigação que envolve políticos, a Polícia Federal afirmou que “as informações sobre operações presentes e futuras da Polícia Federal são totalmente sigilosas”.

“Quando há a deflagração e, no caso, se for pertinente à sociedade, os jornalistas, cadastrados no mailing deste setor, são cientificados imediatamente através de nota à imprensa.

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Vale ressaltar que a pertinência quanto a notificação aos senhores parte de nossa autoridade superior, do Gabinete do Superintende.

Tendo em vista a alta demanda neste setor, agradeço a compreensão quanto a demora nas respostas via e-mail dessa assessoria”.

O que diz o vereador Marquinhos

A coluna procurou o vereador Marquinhos, citado por Bruno Pereira na conversa. Ele confirmou a existência da tentativa da reunião organizada por Bruno Pereira envolvendo todos os políticos da região. Segundo ele, todos os vereadores foram convidados. “O que a gente queria era fazer um pouco do que o Estado deixou de fazer para esses comunitários próximos às áreas indígenas. A gente ia levar a Casa Legislativa, o Executivo, os secretários”.

Perguntado se os próprios colegas vereadores da Câmara municipal poderiam ter “esvaziado” a reunião por “serem contrários à opção de manejo para os ribeirinhos”, o vereador Marquinhos afirmou que “é possível, mas que não teria como dar certeza”.

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Na entrevista à coluna, Marquinhos afirmou que um dos principais líderes da comunidade ribeirinha já teve o barco apreendido (sendo visto entrando) na Terra Indígena e que ele é “de confiança do prefeito na comunidade de São Rafael, onde aconteceria a reunião”. “Uma coisa esquisita é que na reunião prévia foram apenas três vereadores. Eu e mais dois”.

Questionado sobre o inteiro teor da afirmação de Bruno, incluindo fato de que o próprio vereador teria vazado “para alguns que os caras só pensam em invadir a TI [Terra Indígena]” e que o indigenista achava que sua cabeça estava à “leilão”, o político afirmou: “Todas as vezes que eu falei com o Bruno foi mais sobre questões alternativas para esses comunitários que centralizam ali próximo da área indígena, da área demarcada. Sempre no sentido de dar proteção, mas também de dar atenção aos comunitários. […] Ele nunca me falou de questão de ameaça”.

O que não disseram o presidente da Câmara e o prefeito

A coluna entrou em contato com o presidente da Câmara de Vereadores de Atalaia do Norte, Jonas Gossel, e explicou toda a situação da reunião de Bruno e das investigações, mas ele desligou o telefone. Após insistência da coluna, ele pediu para “ligar mais tarde” e nunca mais atendeu. O prefeito Denis Paiva também não retornou os inúmeros pedidos de entrevista da coluna.

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