Para quem achava que havia uma conjunção de cérebros e ideias na condução dos grandes problemas brasileiros, a reunião ministerial exposta à nação por determinação do STF revelou que o governo é movido por intestinos, fígados e preconceitos. Há análises de sobra registrando a decepção com a exposição do encontro. Esta aqui, tentará ficar apenas na questão da desigualdade. Será, portanto, bem curta, proporcional à importância que o tema teve na assembleia conduzida pelo ex-capitão.
Jair Bolsonaro, a quem não é mais possível designar como presidente, por seu discurso de quadrilheiro, mostrou que nem mesmo aprendeu a palavra Covid. Pronunciando codiv várias vezes, deixou claro que dedica ao assunto o mesmo nível de ignorância especializada que reserva à economia, como gosta de ressaltar. Na combinação dessas duas insuficiências, turbinada pela propaganda da cloroquina e pelos estímulos à aglomeração, lava as mãos quanto ao destino de milhares de infectados, não por acaso cada vez mais contados entre os que têm menos recursos, menos instrução, menos direitos na prática.
Mais espantoso, em relação à pandemia que assola o país e deveria ser o centro de todo debate, só mesmo o pronunciamento de seu então segundo ministro da Saúde, Nelson Teich, que não citou o SUS, não explicou as delongas e falhas no aparelhamento emergencial da rede pública e ainda demonstrou profunda preocupação com as dificuldades financeiras que os hospitais particulares enfrentarão pela súbita falta de clientes. Não por acaso ganhou o apelido de ministro da saúva.
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Clique e AssineNum momento em que nem a máscara que enfeitava seu rosto impediu a revelação de uma grande verdade sobre o que pensa, o ministro Paulo Guedes aconselhou a todos a manter o discurso sobre investimento no combate às desigualdades regionais explicando claramente que é o tipo de hipocrisia necessária para o sucesso político do governo que, segundo ele, levará Bolsonaro a um segundo mandato.
“Quem tá sonhando… É sonhador. A gente aceita, politicamente a gente aceita. Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente”, foram as palavras exatas do ministro. “Se a gente quiser acabar igual à Dilma, a gente segue esse caminho”, acrescentou. “É bonito isso”, ele já tinha registrado antes, sobre o mesmo assunto.
Foi um momento tão vexatório que o ministro do desenvolvimento regional, Rogério Marinho, tentou fazer Guedes perceber que fórmulas antigas não funcionarão no mundo que sairá da crise sanitária. Mas a intervenção não teve efeito. Paulo Guedes tornou a discursar com os mesmos argumentos, defendeu os cassinos para entreter os ricos criando arrecadação fácil e, dias depois, voltou a cogitar a ressurreição da injustíssima CPMF.
Num arremate da confusão entre ideologia e gestão que conduz a administração atual, Bolsonaro vetou, três semanas depois da reunião, a liberação do auxílio emergencial para agricultores familiares e pescadores, sob a alegação de que o benefício estabeleceria uma discriminação inconstitucional entre profissões. A desculpa é bastante curiosa, já que, na área urbana, ninguém diz nada sobre essa discriminação.
A razão verdadeira está relacionada aos temores da direita radical de abastecer com o auxílio famílias simpatizantes do Movimento dos Sem Terra e outras organizações de oposição. Mas o veto passará por revisão no Congresso e tem boa chance de ser derrubado porque alcançou também caminhoneiros, que já revelaram no passado seu poder de mobilização, com apoio do então deputado Jair Bolsonaro.
No site Ora Essa!, o artigo disponível neste link trata da insanidade administrativa no governo Bolsonaro.
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