No último domingo, 3, o eleitor da Venezuela foi às urnas para decidir, em cinco perguntas, se dava ou não aval à pretensão de seu presidente, Nicolás Maduro, de anexar mais de 60% do território da Guiana, o seu pequeno vizinho de 804.000 habitantes, menos da metade da população de Caracas. A região de Essequiba é rica em petróleo, hoje a principal mola propulsora do impressionante crescimento econômico guianense.
O resultado anunciado do pleito foi de apoio de 96% dos venezuelanos às pretensões de Maduro, embora a Comissão Eleitoral Nacional não tivesse divulgado até agora números confiáveis sobre qual foi afinal a participação total do eleitorado.
Obtido o apoio que queria, o que fará agora Maduro? Para especialistas, o movimento do presidente venezuelano está mais voltado a atrair o público interno para a sua reeleição do que a promover um conflito armado que pode levá-lo a bater de frente com interesses de potências como Estados Unidos, Reino Unido e França e aliados estratégicos, como o Brasil.
“Se Maduro está pretendendo entrar em conflito, é um erro estratégico grosseiro, mas se ele está de olho na eleição, sai na frente da oposição ao exaltar o nacionalismo venezuelano”, avalia o professor Moisés Marques, do curso de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
Maduro falou em ‘paz’ e ‘consensos’
E, de fato, parece que essa será, por ora, o único uso do plebiscito. Desde domingo, Maduro participou de várias solenidades públicas, inclusive uma com a Comissão Eleitoral Nacional, na qual foi notificado sobre o resultado e em nenhuma delas falou em avanço militar sobre o país vizinho.
Pelo contrário, falou em paz. “A Venezuela tem transitado por mares com tempestades e ameaças, mas juntos temos aprendido a navegar em meio a elas, levantando-nos e abrindo caminho para a paz e o bem-estar”, afirmou na cerimônia.
E completou: “Esse referendo consultivo colocou o povo venezuelano de pé, defendendo o que nossos libertadores e libertadoras nos deixaram. Além disso, uniu todo o país. Temos alçado nossa voz para a resolução dessa controvérsia. E temos cumprido, o referendo se fez!”.
Nesta terça-feira, voltou a falar do assunto – e deu novo sinalizou para uma saída negociada. “Temos como grande tarefa continuar percorrendo caminhos de encontros e consensos, sempre em conjunto com o povo, com planeamento e organização para a convivência saudável, a defesa integral, a estabilidade, a recuperação econômica e a harmonização das políticas públicas em benefício da nação”, postou.
https://twitter.com/NicolasMaduro/status/1732051321111372250
Além do uso eleitoral, o referendo deve ser usado por Maduro para tentar resolver o imbróglio legal internacional que o país acredita que ainda paira sobre a região. A posse de Essequiba foi concedida em 1899 à Guiana, à época uma colônia inglesa, por meio de arbitragem feita pelos Estados Unidos. A Venezuela questiona desde então a decisão e, em 1966, chegou a firmar um acordo com a Inglaterra, que reconhecia como nulo o Laudo Arbitral. Naquele mesmo ano, no entanto, a Guiana conquistou a independência, o que na prática manteve o acordo em suspenso até hoje.
Desde então, a Venezuela considera o caso em aberto, à espera de uma solução. O problema para Maduro é que ele tem pouco trânsito e apoio nos organismos internacionais. A saída negociada via órgãos multilaterais, também é a principal saída sugerida pelo governo Lula ao seu aliado.