Não foram poucas as vezes em que o vice-presidente Hamilton Mourão provocou estresse no governo com declarações que iam na contramão de posicionamentos manifestados pelo presidente Jair Bolsonaro. No último episódio, no final de outubro, Mourão afirmou a VEJA que a administração federal iria comprar o imunizante Coronavac, produzido com insumos chineses em São Paulo, para lançar uma campanha de vacinação nacional contra a Covid-19, contrariando declarações recentes do presidente que iam em outra direção. Mas nem só de caneladas é feita a relação entre os dois. Também é papel do vice atuar como um bombeiro para contemporizar declarações extemporâneas de Bolsonaro.
Os últimos panos quentes de Mourão foram destinados ao discurso em que Bolsonaro enfrentou o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, ao afirmar que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”. O presidente fazia alusão às barreiras comerciais que Biden sugeriu levantar contra o Brasil caso os incêndios na Amazônia não fossem controlados. “Isso aí tudo é figura de retórica”, disse o vice, que qualificou a fala de Bolsonaro de um “aforismo antigo”.
Em setembro deste ano, Mourão também atuou para amenizar a repercussão negativa do pronunciamento de Bolsonaro na ONU (Organização das Nações Unidas), quando o presidente, ao tratar da questão ambiental, não reconheceu os erros do Brasil na área e disse que o país era vítima de “uma das mais brutais campanhas de desinformação” sobre o tema. O vice-presidente, que é um ferrenho defensor das políticas do governo federal, “traduziu” a queixa do presidente. “Que existe uma campanha de desinformação, existe. Isso aí eu já comentei, e compete a nós contrapormos. Agora, eu sempre deixo claro que a contraposição tem que se dar por duas vertentes: uma vertente de uma informação qualificada e a segunda vertente é de impedir que ilegalidades ocorram para não dar margem a esse tipo de pressão”, declarou.
Também na questão ambiental, o vice, embora tenha aberto os canais de diálogo com os governadores e ONGs para tratar de desmatamento – que bateu recordes em 2020 -, sempre dá declarações no sentido de minimizar o problema. “Recordes acontecem, né?”, disse ele em setembro. Em outra ocasião, Mourão afirmou que os satélites que monitoram o fogo em áreas de preservação ambiental apontam pedras como focos de calor. “Não se deixem levar por narrativas tiradas da cartola, como o coelho daquele mágico”, declarou em outro episódio.
Durante a pandemia de Covid-19, Mourão também não chegou a minimizar a gravidade da doença como fez Bolsonaro em várias ocasiões, mas declarou que o governo federal “lidou muito bem” com o novo coronavírus e que no Brasil “está tudo ok”, apesar dos quase 150 mil mortos que o país registrava no dia em que ele concedeu entrevista a um veículo de imprensa alemão, o DW. Os dados mais atualizados sobre a pandemia apontam que mais de 160 mil pessoas já morreram em função do vírus.
Embora tenha opiniões convergentes com Bolsonaro em relação à ditadura militar, quando o país vivia um clima de tensão institucional, Mourão se prontificou a afirmar que as Forças Armadas não embarcariam numa aventura golpista. Quando Bolsonaro afirmou que “democracia só existe se as Forças Armadas quiserem”, por exemplo, o vice se apressou em esclarecer que o presidente estava se referindo a regimes ditatoriais, como Venezuela e Cuba, e da importância dos militares para manter um regime democrático. Em contrapartida, Mourão é declaradamente fã do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos ídolos de Bolsonaro. Nas palavras de Mourão, Ustra era um homem de “honra” e que “respeitava os direitos humanos de seus subordinados”. Ustra, que chefiou o órgão de repressão e inteligência da ditadura (DOI-CODI) entre 1970 e 1974, foi o primeiro militar condenado por crimes cometidos durante o regime.
Neste jogo de “morde e assopra”, Mourão poderá ficar sem a cadeira de vice-presidente na chapa que Bolsonaro lançará à reeleição em 2022. Entre os nomes cotados para ser o vice bolsonarista, o que desponta com maior força no momento é o da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Na mesma entrevista a VEJA em que defendeu a compra da CoronaVac pelo governo federal, Mourão admitiu que nas próximas eleições poderá se candidatar ao Senado caso seja preterido pelo presidente.