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A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Ramiro Brites. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Joenia Wapichana: marco temporal é político e inconstitucional

Presidente da Funai fala a VEJA sobre a votação do projeto que limita a demarcação de terras indígenas e a reestruturação que tira poderes de ministério

Por Victoria Bechara Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 Maio 2023, 14h44 - Publicado em 30 Maio 2023, 12h44

Primeira mulher indígena a presidir a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), ex-deputada federal Joenia Wapichana tem pela frente no Congresso Nacional o que considera duas grandes ameaças ao trabalho do órgão.

O primeiro deles é a provável votação pela Câmara nesta terça-feira, 30, do projeto de lei 490/2007, que institui o chamado marco temporal. A proposta faz uma reinterpretação do artigo 231 da Constituição para prever que um território só poderá ser demarcado se for comprovado que os indígenas já o ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando a Carta foi promulgada.

A VEJA, Joenia afirmou que o tom do projeto é político e que o texto não considera os princípios constitucionais. “Tem questões preliminares que não foram respeitadas, como o direito de consulta aos povos indígenas”, afirma. Os deputados aprovaram o regime de urgência para tramitação da proposta na semana passada e se anteciparam à retomada do julgamento da pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para o dia 7 de junho. 

Outra ameaça vem da tramitação da MP 1.154/2023, que reestrutura os ministérios do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A comissão mista que avaliou a medida provisória aprovou um relatório que esvazia o poder da Funai ao tirar a competência do órgão sobre a demarcação de terras indígenas e transferi-la para o Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino.

A medida ainda precisa passar pela aprovação dos plenários da Câmara e do Senado. “A expectativa é que os povos indígenas não sejam tão sacrificados quanto foram nos últimos anos”, diz Joenia. Leia a entrevista abaixo. 

Qual foi a situação que a senhora encontrou quando assumiu a Funai e o que foi feito desde então? A situação estava bagunçada. A Funai foi sucateada, os servidores foram perseguidos, até assassinados – que é caso do Bruno Pereira (morto na Amazônia em junho de 2022) –, reflexo de uma falta de atenção a um órgão que lida com vidas. Há muitos processos paralisados, de demarcação de terras, denúncias que não foram encaminhadas. Foi um desmonte. Além disso, o orçamento não condiz com a realidade das obrigações que a Funai tem. O que fiz, primeiramente, foi ouvir as demandas dos servidores e dos indígenas, teve um período grande de escuta. Começamos a reverter essa situação. 

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A Câmara aprovou a urgência e deve votar o marco temporal nesta terça-feira. A senhora teve alguma conversa com Lula sobre o assunto? O presidente não conversou comigo, mas o governo já vem dando uma importância muito grande (ao tema) e com compromissos ambientais e de efetivação de direitos dos povos indígenas. Essas duas agendas foram muito bem divulgadas, inclusive fora do Brasil, e a manifestação do presidente foi sempre na linha de preservar os direitos dos povos indígenas, avançar na demarcação das terras, resolver problemas como os que a gente encarou na Terra Indígena Yanomami. Foram compromissos assumidos e que estão sendo efetivados. O presidente demonstra essa atenção em relação aos povos indígenas.

O STF também retoma o julgamento do marco temporal nos próximos dias. Qual a sua expectativa? A gente vê com preocupação o avanço de interpretações que podem violar os direitos dos povos indígenas, principalmente os que já são assegurados pela nossa Constituição. O PL 490/2007 vai totalmente contra. É inconstitucional. Tem questões preliminares que não foram respeitadas, como o direito de consulta aos povos indígenas. O projeto também quer dar uma nova interpretação ao artigo 231 da Constituição, e aí a gente vê que o tom dele é muito político e não considera os princípios constitucionais. No STF, a gente viu que já houve argumentos de ministros rebatendo isso, dizendo que os direitos originários são princípios constitucionais. Aprovar o marco temporal é desconsiderar o processo histórico de invasão das terras indígenas e arriscar os direitos dos povos que ainda não tiveram suas terras demarcadas. Só quem está sendo penalizado são os próprios povos indígenas. Além disso, tem catorze apensados que a Câmara e o Senado sequer tiveram tempo de discutir, a sociedade não está nem sabendo.

A que a senhora atribui o avanço dessas pautas? É reflexo de um Parlamento ainda muito alinhado ao bolsonarismo? Hoje nosso Congresso está bem diverso e quem tem a maioria defende seus interesses. As manifestações da maioria estão sendo votadas, e a gente vê que essa maioria não tem os direitos dos povos indígenas como prioritários. 

“Aprovar o marco temporal é desconsiderar o processo histórico de invasão das terras indígenas e arriscar os direitos dos povos que ainda não tiveram suas terras demarcadas”

Além do marco temporal, tem também a votação da medida provisória que reestrutura os ministérios e tira da Funai a competência para demarcar terras indígenas. Como a senhora vê essa situação? Eu vou esperar a decisão do Congresso. A Funai já se posicionou sobre a preocupação relacionada ao processo de demarcação, que é um ato administrativo. A Funai é o único órgão do governo que tem essa atribuição. A demarcação é feita com critérios técnicos, seguindo nossa legislação e nossa Constituição. Não é uma questão política, é baseada em questões técnicas e constitucionais. 

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A senhora vê possibilidade de o governo conseguir reverter essa mudança? Amanhã vamos ver o que vai ser. Estou apenas acompanhando e aguardando uma decisão do Congresso. Se eu estivesse como parlamentar, estaria mais próxima dessa discussão. A expectativa é que os povos indígenas não sejam tão sacrificados quanto foram nos últimos anos. 

A ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) relatou uma certa frustração com Lula por causa dessa reestruturação dos ministérios. A senhora também sentiu isso? Eu prefiro aguardar para ver como vai ser o posicionamento do Congresso. 

Quais as prioridades da Funai para os próximos meses? A primeira é retomar processos de demarcação que estavam engavetados. São catorze processos que a Funai separou, o presidente homologou seis, tem oito ainda no aguardo. Segundo, o fortalecimento da Funai, dar uma atenção ao orçamento, que hoje é totalmente deficitário. O quadro da fundação também é precário, os servidores estão muito cansados por conta dos últimos tempos, precisa ter novos concursos, plano de carreira consolidado e condições de trabalho para também dar uma resposta aos povos indígenas. É preciso valorizar o servidor público, fazer com que o indigenista seja reconhecido. Muitas bases da Funai foram fechadas, temos que dar mais atenção a isso e apresentar um PPA (plano plurianual) que seja condizente com a realidade. A terceira é a gestão da terra, desenvolver projetos de desenvolvimento sustentável e incluir os povos indígenas no planejamento administrativo e econômico. 

 

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