Por que a pandemia agravou o pior tipo de câncer de pele?
A recorrência de metástases de melanoma aumentou mais que o dobro, com tempo médio de recorrência caindo de 60 meses para 25,5
A pandemia da Covid-19 trouxe vários novos dados para a medicina moderna. Deparamo-nos com situações clínicas não vistas ou vistas em menor escala no período pré-pandemia, tais como manifestações exageradas de doenças previamente existentes, surgimento de condições clínicas não usuais e, até mesmo, descrições de entidades sintomáticas novas. Isso não foi visto em um ou outro órgão do corpo humano: foi o
comportamento observado em quase todos!
Sem dúvida alguma, a pele foi palco de manifestações clínicas à parte. Os dermatologistas depararam com manifestações cutâneas muito
particulares, às vezes, responsáveis por até mesmo predizer como seria a evolução clínica do indivíduo ao se contaminar pela Covid-19.
Recentemente, foi publicada no prestigioso Journal of the American Academy of Dermatology uma série de casos de melanoma na qual foi feito o estadiamento (estudo da gravidade) de 246 pacientes portadores de melanoma, entre 11 de março de 2020 e 12 de janeiro de 2021 (auge da pandemia), comparando-os a outros 246 pacientes que também o possuíam, mas entre 1 de março de 2019 a 10 de março de 2020 (pré-pandemia).
Os resultados do estudo foram alarmantes: no período pré-pandemia, 85% e 15% dos pacientes tiveram estadiamento considerado, respectivamente, inicial e avançado (com metástases); no período da pandemia, esses números foram, respectivamente, 81,3% e 18,7%. Além disso a recorrência de metástases de melanoma também aumentou, mais que o dobro, com tempo médio de recorrência caindo de 60 meses no pré, para 25,5 no pós-pandemia. Segundo a American Cancer Association, houve um aumento de 3,9% do total de mortes por câncer de pele em 2022, sendo 64% delas atribuídas ao melanoma, principalmente no sexo masculino (67% dos casos).
Quem trabalha com melanoma sabe. Qualquer aumento no número de casos graves, em detrimento à diminuição do número de casos leves, assusta, ainda mais se vier acompanhado com estreitamento do tempo para reincidência de metástases, já que falamos de um dos tumores mais agressivos e letais que o ser humano pode ter.
Porém, esse comportamento do melanoma não se atribui ao fato de que a atividade viral da Covid-19 tenha mudado o seu curso. O que se acredita, no entanto, é que a pandemia impediu que os pacientes procurassem a ajuda médica especializada para avaliar lesões de pele suspeitas, resultando em casos mais graves de melanoma.
Esses dados, contudo, só reforçam o mantra da prática clínica dermatológica de que a detecção precoce do melanoma ainda é o grande trunfo para impedir uma doença mais agressiva.