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Paixão, Fidelidade e o “Vira-Casaca”

O psiquiatra Luis Augusto Rohde reflete, do ponto de vista da neurociência, sobre o que motiva um torcedor a não "virar casaca" mesmo quando seu time perde

Por Luis Augusto Rohde
9 ago 2017, 13h08
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  • Confesso! Tenho uma vontade louca de me excluir de inúmeros grupos no WhatsApp, mas, como a maioria dos mortais, morro de medo da repercussão negativa! Entretanto, um deles é sempre inspirador. Reúne os membros do conselho do maior e mais divertido congresso de neurociências aplicada à clínica no país, o conhecido Cérebro, Comportamento e Emoções.

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    Dia desses, o Professor Valentim Gentil Filho, professor titular de Psiquiatria da USP, lançou um desafio, em tom de brincadeira: Quando a neurociência vai explicar porque torcedor de futebol não “vira-casaca” nos tempos atuais onde se troca tudo: parceiro(a), nome, sexo? Partido político, então, nem se fala! Como aquelas “músicas-chiclete” que a gente não consegue tirar da cabeça, fiquei ruminando a pergunta quase a nível de TOC, dirigindo o carro, entre um paciente e outro, no meio daquela reunião chata…Fui a campo!

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    A origem do termo “virar casaca”

    Primeira descoberta! O termo “virar casaca” não tem nada a ver com futebol nas suas origens. Contam por aí que a expressão possa ter origem num certo rei da Sardenha do século XVIII que para defender suas terras, aliava-se aos franceses ou aos espanhóis, conforme a utilidade, usando alternadamente as cores nacionais desses países em sua casaca de gala.

    Primeira frustração! Numa busca exaustiva nos sites médicos e de psicologia nas madrugadas, não encontrei um mísero estudo que descreva, nem mesmo, a frequência do fenômeno em torcedores apaixonados de qualquer esporte. Exploração de potencias razões, nem pensar! Apenas relatos anedóticos na literatura leiga, sempre marcados com a pecha da execração imposta àqueles que ousam tomar essa decisão.

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    O papel da paixão na relação torcedor-time

    Como a discussão só é válida para torcedores apaixonados, já que trocar de time não é uma mancha na honra para os torcedores de ocasião, temos que começar a nossa jornada explorando o que a neurociência nos conta sobre paixão. Um artigo recente no jornal Frontiers in Psychology, escrito pelo sautores que mais estudam a neurociência da paixão, propõe que a mesma nada mais é do que “uma adição natural”!

    É como um vício

    Eles traçam um interessante paralelo entre as características do estado de paixão e os sintomas da adição. Como em todas as adições, o apaixonado foca-se exclusivamente na pessoa amada (fenômeno conhecido como saliência), lhe deseja desesperadamente (fissura), sente-se inebriado ao vê-la ou pensar nela (euforia), busca interagir mais e mais com ela (tolerância) e, se tudo dá errado, aparecem os conhecido sintomas de abstinência.

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    Esses pesquisadores realizaram um estudo com ressonância magnética cerebral funcional com um grupo de homens e mulheres que estavam apaixonados. Todos com pontuações altas na escala de amor apaixonado. É, tem escala até para isso! Relatavam que passavam mais do que 85% das horas acordadas pensando na pessoa amada. Na máquina de ressonância, quando viam fotos da pessoa amada, ativavam significativamente mais regiões cerebrais do chamado sistema de recompensa (área tegmental ventral e núcleo caudado) do que quando viam fotos de pessoas que lhes eram familiares. As mesmas áreas que os adictos ativam na presença das drogas.

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    A fidelidade pelo time é outro fator importante

    Ok, mas a paixão passa! Aliás, para quem gosta de futebol no Brasil, está cada vez mais difícil manter-se apaixonado com o que se vê pelos campos por aí! Mas, o fã não vira casaca! Temos que passar então para o capítulo da neurociência e fidelidade. Assunto complicado, já que existem cerca de 5.000 espécies de mamíferos e nem 5% são monogâmicos.

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    Vamos deixar de lado os estudos clássicos com ratazanas das pradarias, uma das poucas espécies de mamíferos completamente monogâmicos, que mostram o papel essencial da ocitocina e vasopressina na fidelidade. Vamos direto aos estudos em humanos. A ocitocina é um neuropeptídio produzido numa região cerebral chamada hipotálamo. Tem inúmeras ações, desde a amamentação até o aumento da relação mãe-bebê.

    Um grupo de pesquisadores alemães mostrou, pela primeira vez, que a ocitocina pode ser importante na manutenção de fidelidade de casais ditos monogâmicos. Eles sortearam um grupo de homens heterossexuais que estavam em uma relação monogâmica estável para receber ocitocina intra-nasal ou placebo (substância inativa). Nem os pesquisadores, nem os pacientes sabiam o que estes estavam recebendo. A isso chama-se estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Esse é o padrão-ouro para avaliação de intervenção em medicina.

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    Nesse momento do experimento, uma mulher atraente era introduzida numa situação que simulava um primeiro encontro. Aqueles que receberam ocitocina mantiveram-se significativamente mais distantes fisicamente da mulher do que os que receberam placebo. Existe toda uma literatura que documenta como a manutenção do espaço fisco pessoal é um indicativo da indisponibilidade para o outro nos jogos de sedução inicial.

    Dois pontos adicionais. O efeito não ocorria se, no experimento, fosse trocada a mulher atraente por um homem, mostrando a especificidade do efeito. Segundo, o efeito não ocorreu com homens solteiros. Vale um aviso para as mulheres, a ANVISA não libera o uso da ocitocina para uso em namorados e maridos e nem para diferenciar casados de solteiros em festas!

    Brincadeiras à parte, é possível pensar que o trabalho conjunto dos componentes cerebrais envolvidos na paixão (sistema de recompensa) e fidelidade (ocitocina e suas ações em circuitarias específicas) possam constituir os alicerces biológicos para o vínculo de casal tão essencial na evolução humana.

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    Neurociência do cotidiano

    Será que o torcedor apaixonado ao assistir uma grande jogada do seu time durante uma ressonância magnética cerebral ativa mais o sistema de recompensa do que ao assistir uma grande jogada de um outro time qualquer? E os níveis de ocitocina? A neurociência está por tudo!

    Novas área do conhecimento como a neuroeconomia, que estuda como ocorre o processo de decisão no cérebro, já renderam até prêmio Nobel. Fica, para os pesquisadores jovens interessados nessa área que está ainda na sua infância, a neurociência do cotidiano, o desafio do Professor Valentim de conduzir esses estudos. Para eles, vale a frase de Albert Eisntein:

    “Analise profundamente os fenômenos naturais e, então, você entenderá melhor tudo! ”

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    (Ricardo Matsukawa/VEJA)

     

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