Paixão, Fidelidade e o “Vira-Casaca”
O psiquiatra Luis Augusto Rohde reflete, do ponto de vista da neurociência, sobre o que motiva um torcedor a não "virar casaca" mesmo quando seu time perde
Confesso! Tenho uma vontade louca de me excluir de inúmeros grupos no WhatsApp, mas, como a maioria dos mortais, morro de medo da repercussão negativa! Entretanto, um deles é sempre inspirador. Reúne os membros do conselho do maior e mais divertido congresso de neurociências aplicada à clínica no país, o conhecido Cérebro, Comportamento e Emoções.
Dia desses, o Professor Valentim Gentil Filho, professor titular de Psiquiatria da USP, lançou um desafio, em tom de brincadeira: Quando a neurociência vai explicar porque torcedor de futebol não “vira-casaca” nos tempos atuais onde se troca tudo: parceiro(a), nome, sexo? Partido político, então, nem se fala! Como aquelas “músicas-chiclete” que a gente não consegue tirar da cabeça, fiquei ruminando a pergunta quase a nível de TOC, dirigindo o carro, entre um paciente e outro, no meio daquela reunião chata…Fui a campo!
A origem do termo “virar casaca”
Primeira descoberta! O termo “virar casaca” não tem nada a ver com futebol nas suas origens. Contam por aí que a expressão possa ter origem num certo rei da Sardenha do século XVIII que para defender suas terras, aliava-se aos franceses ou aos espanhóis, conforme a utilidade, usando alternadamente as cores nacionais desses países em sua casaca de gala.
Primeira frustração! Numa busca exaustiva nos sites médicos e de psicologia nas madrugadas, não encontrei um mísero estudo que descreva, nem mesmo, a frequência do fenômeno em torcedores apaixonados de qualquer esporte. Exploração de potencias razões, nem pensar! Apenas relatos anedóticos na literatura leiga, sempre marcados com a pecha da execração imposta àqueles que ousam tomar essa decisão.
O papel da paixão na relação torcedor-time
Como a discussão só é válida para torcedores apaixonados, já que trocar de time não é uma mancha na honra para os torcedores de ocasião, temos que começar a nossa jornada explorando o que a neurociência nos conta sobre paixão. Um artigo recente no jornal Frontiers in Psychology, escrito pelo sautores que mais estudam a neurociência da paixão, propõe que a mesma nada mais é do que “uma adição natural”!
É como um vício
Eles traçam um interessante paralelo entre as características do estado de paixão e os sintomas da adição. Como em todas as adições, o apaixonado foca-se exclusivamente na pessoa amada (fenômeno conhecido como saliência), lhe deseja desesperadamente (fissura), sente-se inebriado ao vê-la ou pensar nela (euforia), busca interagir mais e mais com ela (tolerância) e, se tudo dá errado, aparecem os conhecido sintomas de abstinência.
Esses pesquisadores realizaram um estudo com ressonância magnética cerebral funcional com um grupo de homens e mulheres que estavam apaixonados. Todos com pontuações altas na escala de amor apaixonado. É, tem escala até para isso! Relatavam que passavam mais do que 85% das horas acordadas pensando na pessoa amada. Na máquina de ressonância, quando viam fotos da pessoa amada, ativavam significativamente mais regiões cerebrais do chamado sistema de recompensa (área tegmental ventral e núcleo caudado) do que quando viam fotos de pessoas que lhes eram familiares. As mesmas áreas que os adictos ativam na presença das drogas.
A fidelidade pelo time é outro fator importante
Ok, mas a paixão passa! Aliás, para quem gosta de futebol no Brasil, está cada vez mais difícil manter-se apaixonado com o que se vê pelos campos por aí! Mas, o fã não vira casaca! Temos que passar então para o capítulo da neurociência e fidelidade. Assunto complicado, já que existem cerca de 5.000 espécies de mamíferos e nem 5% são monogâmicos.
Vamos deixar de lado os estudos clássicos com ratazanas das pradarias, uma das poucas espécies de mamíferos completamente monogâmicos, que mostram o papel essencial da ocitocina e vasopressina na fidelidade. Vamos direto aos estudos em humanos. A ocitocina é um neuropeptídio produzido numa região cerebral chamada hipotálamo. Tem inúmeras ações, desde a amamentação até o aumento da relação mãe-bebê.
Um grupo de pesquisadores alemães mostrou, pela primeira vez, que a ocitocina pode ser importante na manutenção de fidelidade de casais ditos monogâmicos. Eles sortearam um grupo de homens heterossexuais que estavam em uma relação monogâmica estável para receber ocitocina intra-nasal ou placebo (substância inativa). Nem os pesquisadores, nem os pacientes sabiam o que estes estavam recebendo. A isso chama-se estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Esse é o padrão-ouro para avaliação de intervenção em medicina.
Nesse momento do experimento, uma mulher atraente era introduzida numa situação que simulava um primeiro encontro. Aqueles que receberam ocitocina mantiveram-se significativamente mais distantes fisicamente da mulher do que os que receberam placebo. Existe toda uma literatura que documenta como a manutenção do espaço fisco pessoal é um indicativo da indisponibilidade para o outro nos jogos de sedução inicial.
Dois pontos adicionais. O efeito não ocorria se, no experimento, fosse trocada a mulher atraente por um homem, mostrando a especificidade do efeito. Segundo, o efeito não ocorreu com homens solteiros. Vale um aviso para as mulheres, a ANVISA não libera o uso da ocitocina para uso em namorados e maridos e nem para diferenciar casados de solteiros em festas!
Brincadeiras à parte, é possível pensar que o trabalho conjunto dos componentes cerebrais envolvidos na paixão (sistema de recompensa) e fidelidade (ocitocina e suas ações em circuitarias específicas) possam constituir os alicerces biológicos para o vínculo de casal tão essencial na evolução humana.
Neurociência do cotidiano
Será que o torcedor apaixonado ao assistir uma grande jogada do seu time durante uma ressonância magnética cerebral ativa mais o sistema de recompensa do que ao assistir uma grande jogada de um outro time qualquer? E os níveis de ocitocina? A neurociência está por tudo!
Novas área do conhecimento como a neuroeconomia, que estuda como ocorre o processo de decisão no cérebro, já renderam até prêmio Nobel. Fica, para os pesquisadores jovens interessados nessa área que está ainda na sua infância, a neurociência do cotidiano, o desafio do Professor Valentim de conduzir esses estudos. Para eles, vale a frase de Albert Eisntein:
“Analise profundamente os fenômenos naturais e, então, você entenderá melhor tudo! ”
Quem faz Letra de Médico
Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
Artur Timerman, infectologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Ludhmila Hajjar, intensivista
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Miguel Srougi, urologista
Paulo Hoff, oncologista
Paulo Zogaib, medico do esporte
Raul Cutait, cirurgião
Roberto Kalil – cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
Sergio Simon, oncologista