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Dieta para quê? Dieta para quem?

Afora a correta eliminação de alimentos prejudiciais à saúde, o que se vê são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares

Por Antonio Carlos do Nascimento
20 nov 2017, 12h26
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  • “Afora a correta eliminação de carboidratos refinados, gorduras sem qualidade e alimentos processados (com todos os seus aditivos) das dietas, o que temos visto são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares”.

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    Há mais de duas décadas minha rotina diária contempla o tratamento de obesidade e sobrepeso, estudos sobre estas questões e as circunstâncias que se relacionam com este universo. Do alto deste simbólico belvedere me sinto à vontade para discorrer nesta coluna parte do que vejo neste cenário, especialmente no que tange aos malabarismos dietéticos visando o emagrecimento, que percorrem uma estrada do sensato ao inconsequente.

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    Estabelecer uma dieta como padrão de referência universal é ao menos discutível. Sempre haverá algum desrespeito cultural, geo-topográfico ou mesmo na individualidade das decisões de gestão de vida. Partamos então para uma correspondência histórica e estatística.

    A dieta mediterrânica, única associada estatisticamente com maior longevidade, não suprime ou prepondera qualquer grupo alimentar. Em uma lógica absolutamente simples, sem alimentos processados e privilegiando gorduras insaturadas, grãos sem refino, verduras, legumes, frutas secas, castanhas e carnes brancas, seus adeptos angariam maior expectativa de vida, sendo ainda autorizados a adicionar uma taça de vinho às refeições. Se consumida desde a mais tenra idade provavelmente proteja do ganho ponderal, mas, se iniciada por ocidentalizados glutões a perda de peso não ocorrerá.

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    Dietas cartesianas para emagrecimento

    Se descartarmos a coerência do escrito no parágrafo anterior e o óbvio prejuízo gerado pelo consumo de carboidratos refinados, gorduras sem qualidade e alimentos processados (com todos os seus aditivos), o que temos visto são elucubrações sugerindo o emagrecimento por rearranjos alimentares.

    Ok, divagações bem intencionadas, que sobrevivem ao curto prazo, porém, capitulam ao crivo do tempo. Foram então criadas: dieta sem carboidrato, com pouco carboidrato (para essa utiliza-se o nome em inglês: Low Carb), jejum prolongado (também chamada de jejum intermitente), de alimentos inteligentes, apenas alimentos crus, dietas sem glúten, sem lactose e muitas outras. Em algumas destas versões a divisão das porções a cada três horas é imposição quase militar.

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    Engenharia alimentar esperançando o obeso

    Sob a luz dos mesmos princípios citados acima são fabricados inúmeros itens: barras de cereais com fibras, castanhas e frutas secas; leites e derivados sem gordura e mesmo sem lactose; refrigerantes e outros itens sem açúcar. Envelopes supostamente contendo todos os itens fundamentais para suas necessidades nutricionais diárias, com substâncias sacietógenas para abstrair sua fome.

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    Um mar de recursos para driblar desejos e alcançar a tão esperada perda de peso são prescritos ou comprados voluntariamente pelo postulante à boa forma. Ótimo, para aqueles que o comercializam, eventualmente, bons para doenças específicas (diabetes e algumas intolerâncias) e temos dúvidas se além de inócuos no tratamento da obesidade possam também não ser inofensivos.

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    Algumas insuportáveis, outras insustentáveis. E as necessárias.

    É inegável que a utilização das dietas sem carboidratos ou low carb são fisiologicamente alicerçadas. Esses conceitos mostram-se úteis em alguns contextos patológicos, incluindo o emagrecimento, contudo, a primeira se mostra intolerável quanto à palatabilidade à curto prazo, enquanto a low carb é enfadonha o suficiente para afastar a maior parte de seus necessitados adeptos em alguns meses.

    Se o jejum prolongado (jejum intermitente) traz benefícios em algumas doenças, especialmente as de ordem inflamatória, tais como as enfermidades reumáticas, o faz provavelmente pelo período de silêncio ou abrandamento metabólico gerado pelo jejum, mas, seguramente não provoca perda de peso sustentada.

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    Portadores de doença celíaca, menos em algumas outras formas de intolerância ao glúten, carecem da retirada deste item da dieta. É imperativo. Porém, se a pretensão ao abstrair essa proteína da dieta é abandonar o alto peso, não o faça. Não emagrece. Raciocínio semelhante seja feito para os intolerantes à lactose, se a dieta for adotada com intenções adelgaçadoras, esqueça.

    Onde erramos?

    O problema é o de sempre, o irritante tempo revelando a falibilidade humana. Os centros da fome e saciedade “definitivamente modificados” por disruptores endócrinos (substâncias ingeridas ou inaladas) é uma causa provável. Equívocos dietéticos e comportamentais a caminho da vida adulta gerando novo status no famigerado termostato é outra explicação.

    O açúcar é acusado de induzir maior número de células gordurosas (provavelmente apenas na primeira infância), assim como incitar estas células a uma maior produção de gorduras. De outra forma, o mesmo é capaz de gerar respostas em nosso cérebro relacionadas ao prazer, o que talvez mesmo com os centros de saciedade e fome ainda sem mudanças, nos faça dependentes do doce recurso para alcançarmos a sensação de bem estar.

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    O fato é que a dieta como recurso único para o tratamento da obesidade se aproxima do completamente (para não desprezar os 5 a 10% de abnegados vencedores) falível, o que lamentavelmente nos faz refém da aceitação do peso, de remédios ou de cirurgias.

    Tais paradigmas não estão sendo quebrados por este colunista, estão sendo expostos pela ciência e com atraso indesculpável. Há algumas semanas uma minuciosa revisão sobre obesidade, elaborada pela Endocrine Society, foi disponibilizada e em um dos trechos dessa publicação lê-se: “A falta de opções efetivas para a redução do peso em longo prazo amplia a enormidade desse problema (obesidade). Os indivíduos que completaram com sucesso os programas comportamentais e dietéticos de perda de peso recuperaram a maior parte do peso perdido”

    É preciso que haja o entendimento de que a melhor maneira de emagrecer é sempre não engordar. Precisamos buscar trajetórias para essa conquista, talvez agora de pouca valia para nós, mas, crucial para nossos descendentes.

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    Ou pior ainda: o psiquiatra

    Contudo, a maior sequela dos geniais arranjos alimentares que prometem, mas, não entregam perda de peso mantida, ou, que não se sustentam em sua exequibilidade, é a descrença desenvolvida pelos pacientes para uma boa rotina alimentar. Ou pior ainda, a auto culpabilização do fracasso.

    Orientações conscienciosas sempre serão de grande valia para a saúde de todos nós. Adicionalmente, se iniciadas bem cedo na vida, podem ainda nos proteger da obesidade ou em qualquer momento não permitir ganho ponderal maior.

    Alguns pacientes assumem a autoria do naufrágio de seus tratamentos com graves relatos, tais como: “não encontrei tempo para fazer exercícios”, “ viajei e não resisti aos restaurantes”, “o trabalho me consumiu e não consegui pensar em dieta”, ou, confissões ainda piores, do tipo “eu não consegui fazer a dieta a cada três horas”.

    Ora, por favor, não existe um só estudo científico de “longo prazo” demonstrando perda ponderal induzida ou melhorada pela divisão de determinado número de calorias em 3 ou 30 vezes ao dia, nem tão pouco com exercícios isoladamente gerando magreza. Adicionalmente, ceder ao fascínio da esperada viagem e seus restaurantes é humano e necessário, do contrário, a melhor opção seria o seguimento psiquiátrico.

    (Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

     

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