Um episódio que marcou o mundo do esporte, especificamente do futebol, completou 20 anos na última semana. Em 26 de junho de 2003, o jogador camaronês Marc-Vivién Foé desmaiou em campo durante uma competição organizada pela Fifa. Aos 28 anos, ele caiu no círculo central aos 27 minutos do segundo tempo da partida contra a Colômbia pela Copa das Confederações e veio a falecer no hospital.
Foé apresentava cardiomiopatia hipertrófica, uma doença geneticamente determinada que acomete aproximadamente 1 em cada 500 indivíduos.
Historicamente, essas pessoas eram consideradas de alto risco para morte súbita cardíaca relacionada ao esporte, isto é, a ocorrência de uma parada cardíaca inesperada durante as atividades físicas ou relacionadas a elas até 24 horas depois do esforço. Sob esse ponto de vista, as recomendações médicas eram conservadoras e promoviam um estilo de vida mais sedentário.
Entretanto, os avanços científicos, o melhor entendimento da doença e as melhorias dos tratamentos com finalidades cada vez mais específicas têm aumentado significativamente a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes com a condição. Permitem, inclusive, que eles possam continuar tendo uma rotina mais ativa.
Há que se ter em mente que grande parte desses indivíduos apresenta cansaço após o esforço, fadiga e redução da capacidade física, o que pode estar relacionado à disfunção do coração, mas também a outras alterações periféricas e ao descondicionamento crônico. Pesquisas recentes mostram que outros fatores interferem nessa história, como idade, histórico de diabetes e índice de massa corporal (IMC) elevado.
Além disso, as pessoas com cardiomiopatia hipertrófica encaram fatores de risco cardiovascular semelhantes aos da população em geral, entre eles hipertensão, colesterol alto e diabetes, condições que contribuem para a inflamação, o entupimento e o enrijecimento das artérias. Sabidamente, tais fatores podem ser minimizados pelos exercícios físicos.
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Nesse sentido, temos cada vez mais evidências dos efeitos benéficos do exercício na saúde geral, e eles podem ser estendidos aos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica. As atividades físicas de leve intensidade (muitas delas presentes na vida diária) já são indiscutivelmente indicadas.
Os exercícios de moderada intensidade também não foram associados ao aumento do risco de eventos de arritmia grave ou parada cardíaca nesse público, mas precisam ser orientados de acordo com a avaliação clínica. Entretanto, os exercícios intensos e competitivos ainda são bastante discutidos e controversos. Tudo vai depender de uma apurada análise médica e de uma decisão compartilhada entre atleta e profissionais de saúde.
A avaliação e a estratificação de risco desses pacientes em relação à gravidade da doença e aos componentes específicos do esporte em questão (futebol, corrida etc.) podem minimizar os perigos associados à prática, ressaltando que essa abordagem deve ser sempre individualizada.
Portanto, para a população com essa doença devemos sempre considerar os exercícios e atividades físicas como aliados da saúde, lembrando que não podemos desprezar a relação de riscos e benefícios e, de modo geral, cabe a máxima: nem muito, nem pouco.
* Patricia A. Oliveira é cardiologista e médica responsável pelo Ambulatório de Cardiologia do Esporte do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP